Dulce Campos
Apresentado no Simpósio de Brasília/DF - 2002 |
Numa perspectiva diferente das demais ciências
humanas, a psicanálise constituiu-se a partir da percepção de que se fazia
necessária a existência de uma Lei capaz de disciplinar as pulsões humanas que
punham em risco a vida social. Freud observou que esta Lei, inscrita numa
anterioridade simbólica, era mediada pela linguagem: no princípio era o Verbo
e o Verbo era Deus... concomitantemente inserida numa operatória: no
princípio era a ação, fazendo da palavra, ato.
Retomando as teorias do édipo freudiano e o mito do pai da horda, Lacan incorporou a dialética desejo-lei à metáfora paterna. Critica Freud por sugerir um Édipo responsável pela invasão do materno e do pulsional na constituição do sujeito. Aponta para o complexo parental, propondo a substituição das teorias dos mitos por uma teoria de base antropológica apoiada em Lévi Strauss. Considera o Nome-do-Pai suporte da função simbólica que, desde a aurora dos tempos históricos, identifica sua pessoa à figura da lei. (Escritos, 278-279) 4. (Kauf., 141) 3. A distinção simbólico, imaginário e real serviu de base às suas reflexões para situar diferenças funcionais, variáveis intervenientes da triangulação: mãe-falo-criança; mãe-filho-pai. O genital, irrepresentável no inconsciente, deixou de ser referência na distinção entre os sexos. Surge no seu lugar a função fálica unificando o objeto do desejo - o falo - nos homens e nas mulheres. O falo permanece velado até o final dos séculos pela simples razão de que ele é um significante último na relação do significante com o significado ( Sem.5, 249)5. Lacan reconhece que o órgão sexual masculino desempenha importantíssimo papel, como representante do objeto de desejo. (Sem.5,p.205)5. Para os seres humanos haveria duas alternativas: ser possuidor do falo ou ser castrado. Em torno desta realidade, a dialética manifesta-se no sujeito: ser - não ser o falo; ter - não ter o falo.
O falo, objeto do desejo, elemento de
universalização do Édipo desde Freud, mobiliza a criança no sentido de que ela
se torne sujeito do próprio desejo.Lacan contesta a concepção do
relacionamento criança-mãe como relação de objeto, dual, de uma ligação real.
No momento em que essa relação parece se concretizar surge um terceiro
imaginário, o falo, representado pelo pênis ( órgão erétil que
simboliza o lugar do gozo, não enquanto ele mesmo, nem sequer como imagem, mas
enquanto parte faltosa na imagem desejada ( Kauf. 195) . É também
reconhecido por Freud como central na economia libidinal: se a criança é real e
a mãe simbólica, existe entre elas o falo que suscita na mãe a inveja
do pênis. Nos momentos de carência a criança simboliza a mãe como pura
potência de dom que tudo lhe pode doar conforme sua vontade e que por isso,
a ela, a criança se sujeita. Sobre o fundo da presença-ausência a criança a
simboliza no brinquedo do fort-dá.Experimenta a ambivalência: em relação
à mãe como presença de que quer se livrar (fort); como ausência que a
impulsiona a chamá-la para perto de si (dá). Os vocábulos – fort - dá -
ainda mal articulados marcam a entrada da criança no mundo da simbolização.
Modelo do amor materno,a mãe promete o que não tem. Criança e mãe
constituem uma primeira realidade: a criança surge como aquela que busca o
desejo do desejo materno.Não se trata de desejar a mãe, mas desejar o seu
desejo, dando lugar a uma identificação primitiva com o falo desejado
pela mãe. Frustrada pela mãe quanto ao objeto imaginário e privada do objeto
real, a criança caminha na dialética da demanda e do desejo sem conseguir
encontrar o que pode lhe saciar e, constatando que tal objeto se encontra num
aquém ou num além da mãe como desejo impossível. Nesta realidade da mãe
que decepciona, o pai está presente de maneira velada, pré-existente no
simbólico da triangulação.(Sem.5,208)5.( Kauf. 334) 3. Somente vai se tornar
sensível e concreto à criança ao exercer a função privadora, quebrando a
relação simbiótica entre mãe e filho. Age como normatizador, tornando-se
necessidade da cadeia significante.Pode ser levada a perceber que a mãe também
deseja alguma coisa além dela e que só poderá conseguí-la através do pai. A
criança terá que renunciar ao falo para tê-lo de um outro que lho poderá dar.
O triângulo mãe-desejo-criança na equação desejo do desejo da mãe
enfatizada por Lacan, já supõe uma tripartição implícita (Sem.5, 210) 5.
E como este desejo é o falo, surge o desafio para o filho que, num dado
momento deseja sê-lo para a mãe e, noutro momento, deseja tê-lo. O
pai doador só existirá por uma construção mítica, por trás da mãe simbólica.
Trata-se sempre, não de uma construção no real, mas no discurso concreto como
metáfora. Enquanto simbólico, o Pai não é controlável, deixou no discurso o
vestígio do Nome-do-Pai e só se efetiva numa metáfora quando aí se põe
literalmente no lugar do desejo da mãe. Ocupando o lugar deste Outro materno, a
presença do Pai simbólico onde esteve o desejo materno, vai se revelando mais e
mais: não é o pai biológico; não é o que ama a mãe acima de tudo; não é porque
ele desempenha tais funções concretas atribuídas pela cultura. Trata-se de
Um-pai que a mãe funda nesta posição de Lei, de palavra final, de privador
da relação fusionada com o filho.
Nos capítulos do Seminário 5 - Três Tempos do
Édipo, Lacan convida à reflexão que permite correlacioná-los com as
estruturas clínicas: psicose, neurose e perversão.
A
posição do psicótico é narcísica, não entra no que se convencionou
chamar relação de objeto. O objeto que com ele se funde e se confunde
permanece sendo a mãe, e ele o seu falo.
Na falha radical do Nome-do-Pai, a criança
encontra-se colada à mãe e ao desejo dela, este Outro primordial e
exclusivo, sem possibilidade de passagem para um Outro- o Pai. Na
triangulação criança-desejo (falo)-mãe, a criança permanece aderida ao
real, sem abertura para o Nome-do-Pai, o significante–mestre na
constituição da cadeia. Não ocorre a metáfora paterna que assim se deveria
constituir: a Lei do pai deve ficar no lugar do significante: desejo da
mãe. Para isso a mãe precisa funcionar como a que funda, pela palavra, o
lugar de um Outro equivalente à Lei. Somente assim, trazido pela palavra da
mãe, o Pai ocupará este lugar, separando a estrutura psicótica da neurose. É
preciso que o pai real, não forçosamente o pai do sujeito, mas Um-pai, seja
chamado a este lugar e assim reconhecido pela mãe. E que se situe numa posição
terceira, tendo por base o par a - a’, isto é, eu - objeto ou ideal-realidade,
dizendo respeito ao sujeito no campo de agressão erotizada em que vive e
que, ocupando o lugar do Outro como significante, aja como representante da
Lei.(Escritos 563-584) 4.
Já o perverso elege o falo como existindo no corpo da mãe, assim sucede
no objeto fetiche.Ele coloca-se acima dalei. Permanece em nívem de gozo e não
ascende ao desejo. Seu mecanismo é o da recusa. Em nível de estrutura, os
perversos são com siderados eticamente mau caráter e delinqüentes. Isentos de
culpa denunciam as distorções do Ideal do eu e as ressonâncias do eu ideal.
A
questão do neurótico é diferente: refere-se ao Outro, o Pai, como aquele que
substitui o Outro-mãe e está para além dela e dele próprio. Ele não é
Lei, a representa, na relação código-mensagem. Trata-se do sujeito
barrado, submetido ao Outro, fala através dos sintomas que se
diversificam, em direção do desejo próprio.
É a partir do segundo tempo que podemos falar
precisamente do Édipo com a entrada do pai na relação mãe-criança. O Édipo do
consenso, o que insere mãe e criança na lei da cultura, presença do “Não” do
pai na relação aparentemente dual. A função privadora de pai surge na
realidade abruptamente. Lacan comenta que a maioria dos tratamentos termina ai.
Na posição de ser o falo da mãe, Hans defrontra-se com a chegada da
irmãzinha, e o real desloca-se do imaginário. Contudo, como o significante já se
encontra-se lá, no simbólico, ele cria a fobia do cavalo, fazendo suplência
do Nome-do-Pai, permitindo-se viver a angústia como metáfora. Se não
castrado pelo pai, torna-se castrado como o pai, ponto que determinou o
desdobramento de suas escolhas amorosas posteriores (Kauf.,336) 3. Através do
sonho em que um encanador onipotente era por ele convocado para substituir o pai
tentou livrar-se da fantasia de assujeitamento (Sem. 5, 196,200)5,
partindo para a construção do seu próprio modelo.
É sobre a mãe que a ação privadora paterna se faz e sobre o filho, a
ação castradora. Por esse caminho a criança escapa da verwerfung (foraclusão do
Nome-do-Pai, primeiro tempo do Édipo), sofre o corte ( verdrägung -
recalcamento do desejo - segundo tempo do Édipo, passa do imaginário ao
simbólico. O falo, simulacro dos antigos, é empreendido por Lacan numa
dupla linhagem: primeiro, em sua especificidade de significante ambíguo; depois,
como representante da carência de gozo característica do sujeito em sua relação
com o real (Kauf.,194) 3. Segundo a lei do simbólico não nos constituímos
como homem ou como mulher, senão pelo recalcamento e mesmo pelo repúdio
do feminino-materno concebido como a marca da animalidade: por ser o real de
mediação impossível (Kauf.,142) 3.No discurso o sintoma fala, denunciando os
deslocamentos e as substituições em decorrência do recalcamento do
desejo inscrito no inconsciente.
Ao entrar no terceiro tempo a criança se defronta com um momento
novo, privilegiado. Além de privador, o pai surge como aquele que
promete à criança o que ela deseja. Promete porque o tem para doar -
modelo do amor paterno.( Sem. 5, 201) 5. A promessa do pai até então
privador, torna este momento fecundo e encoraja a criança a
postergar a realização do desejo até poder usar o objeto gratificante sem
se sentir somente esmagada pelas interdições. Pode viver esse momento
como uma espécie de latência que lhe possibilita, enquanto espera,
utilizar sua energia em produções artísticas e literárias.(Sem.5,) 5.Dizia uma
criança a Freud: meu pai é galo; agora eu sou um frango, quando for maior
ficarei galo:...( O. C.XIII, 169) 1 A um analisante eu dizia: hoje você é
pinto, mas vai ser galo... como seu pai...: crescer,
ter mulher e filhos....
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terça-feira, 23 de outubro de 2012
O Édipo e as estruturas clínicas (no Seminário 5 de Lacan)
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