segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Método Psicanalítico: 2 - O Método da Ciência | Psicologia

Método Psicanalítico: 2 - O Método da Ciência | Psicologia

Método Psicanalítico: 2 - O Método da Ciência

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Estes fatores, embora tenham contribuído para o esclarecimento do conceito de método e de objeto de cada ciência nos dias de hoje, ainda estavam muito no início de sua discussão e concepção quando da descoberta da psicanálise por Freud e, no meio psicanalítico, os termos ainda guardam a imprecisão de tempos anteriores, do fim do século passado. Assim, nós psicanalistas, somente agora podemos abeberar-nos desta evolução na filosofia para tentar conceituar nosso método e nosso objeto.
Por este motivo o método psicanalítico tem recebido o mesmo tratamento impreciso pela grande maioria de nossos colegas. Seria melhor dizer que é raro que colegas se debrucem reflexivamente sobre o conceito de método psicanalítico, ou seja, que indaguem e busquem esclarecer qual é, exatamente, o método de nossa ciência.
Pelo fato de a psicanálise ter sido descoberta por Freud antes desta evolução, era de se esperar que Freud também cometesse as mesmas confusões próprias à ciência vigentes na sua época. Nem mesmo o texto “O Método psicanalítico de Freud” (Freud, 1904 [1903]) é um detenimento reflexivo sobre o método mesmo quando este dá o nome ao artigo. Este texto deixa bem claro, entretanto, que é o método psicanalítico que distingue o que seja psicanálise: “O método psicanalítico específico que Freud emprega e descreve como psicanálise...”.
Ou seja, método e disciplina confundem-se em uma única coisa. Logo abaixo, no mesmo texto, começa a confusão que vai estender-se primeiro entre método e processo, depois, entre método e técnica. Aquela mesma confusão que encontramos ao tentar encontrar o conceito de método na filosofia e nas outras ciências.
Vejamos pequenas citações, incompletas, todas do mesmo texto:
“... Freud reviveu este processo...” Quando está falando do método..
“As modificações que Freud introduziu no método de tratamento catártico de Breuer foram, de início, modificações de técnica...” Aqui, está falando de método e modificações técnicas, mas não dispõe ainda de recursos para separar método do seu conjunto de técnicas.
Expondo as razões pelas quais deveria procurar um substituto para a hipnose, Freud diz: “A menos que se pudesse produzir um substituto para esse elemento ausente, qualquer efeito terapêutico estava fora de cogitação.
Freud encontrou este substituto — um substituto bem satisfatório — nas ‘associações livres’ dos seus pacientes, ...”
Assim Freud afirma ter encontrado um substituto para a hipnose, seguramente uma parte técnica do método catártico. Portanto, esta última passagem deixa claro serem as associações livres um substituto para a parte técnica do método, a hipnose. É metonímica a tomada da associação livre pelo método psicanalítico, ela é em verdade “uma parte do método”, uma de suas questões técnicas, como vimos.
A afirmativa de ser a associação livre a parte técnica do método psicanalítico é compartilhada por Renato Mezan (Mezan, 1996) que, estudando o mesmo texto, cita esta passagem, de Freud, bastante esclarecedora: “Este trabalho de interpretação aplica-se não somente às ideias do paciente” — às associações livres, portanto — “como também aos seus sonhos, que desvendam a abordagem mais direta a um conhecimento do inconsciente, às suas ações não intencionais e também às sem objetivo (atos sintomáticos) e aos erros grosseiros que pratica em sua vida cotidiana (lapsos de linguagem, erros palmares e assim por diante).” Ou seja, é sobre tudo isto que se aplica o método psicanalítico — a interpretação — usando, sim, uma técnica — a técnica da associação livre.
Nos artigos sobre técnica, a afirmação: “... a regra fundamental da psicanálise, que estabelece que tudo que lhe venha à cabeça deva ser comunicado sem crítica, ...” (Freud, 1912) merece uma nota de rodapé de James Strachey na qual mostra mais uma vez a característica de técnica e não de método da associação livre: “Este parece ser o primeiro emprego do que doravante tornou-se a descrição da regra técnica essencial.” Assim, parece mesmo não nos restar senão tomar a associação livre como regra técnica e não metodológica.
Há outras ocasiões em que Freud toma técnica por método, vejamos: “Descobrimos métodos técnicos de preencher as lacunas existentes nos fenômenos de nossa consciência...” (Freud, 1940 [1938]) ou “... fazer uma escolha entre dois métodos ou técnicas.” (Freud, 1940a [1938])1.
Parece, portanto, que, quanto à precisa conceituação de método psicanalítico, não podemos contar com Freud, mas quanto à questão de ser a associação livre uma regra técnica, penso que sim. Há, além da passagem citada, uma outra que nos ajuda a pensar desta forma: “Fazemos um pacto com o paciente. O ego enfermo nos promete a mais completa sinceridade — isto é, promete colocar à nossa disposição todo o material que a sua autopercepção lhe fornece; garantimos ao paciente a mais estrita discrição e colocamos a seu serviço a nossa experiência em interpretar material influenciado pelo inconsciente.” Ou seja, sobre a associação livre, aplicamos a interpretação — o método psicanalítico.
Outra constatação “A hipnose, contudo, desempenhara o serviço de restituir à lembrança do paciente aquilo que ele havia esquecido. Era necessário encontrar alguma outra técnica para substitui-la e a Freud ocorreu a ideia de colocar em seu lugar o método da ‘associação livre’.” (Freud, 1924 [1923]). Ou seja, Freud fala de técnica (uma outra “técnica”) e, em seu lugar, propõe “o método da associação livre”.
Acresçam-se as importantes críticas feitas ao associacionismo por Jacques Lacan (Lacan, 1936) e, entre nós, por Isaías Melsohn (Melsohn, 1973, 1978 e 1991).
Um fator importante para agravar a situação da imprecisão foi, sem dúvida, a compreensão distorcida da recomendação de nos afastarmos da teoria para melhor apreensão dos nossos pacientes2.
O viés da metodologia científica é o viés comum a toda ciência e nos aponta, agora, o caminho para a sistematização do conceito de método psicanalítico. Este viés propõe uma pergunta que deve ser respondida: se a psicanálise é uma disciplina científica, qual é seu método e qual é seu objeto? Acompanho Heinz Hartmann (Harrtman, 1958): “A característica que distingue uma investigação psicanalítica não é o tema sobre o qual se debruça, mas a metodologia científica e a estrutura dos conceitos que usa.”
Como vimos, no momento, a metodologia científica já tem como seu que o objeto de cada ciência é ditado pelo método de pesquisa, o objeto de cada ciência é aquele estudado com o método da ciência em questão. Aplicamos o método de uma ciência e seu objeto surge aos nossos olhos. Dito de outra forma, diante dos conhecimentos atuais, o objeto de uma ciência é todo objeto criado pela aplicação do método da ciência com o qual nos proponhamos estudá-lo.
Não confundamos com o objeto artificial criado pela aplicação direta das teorias ao paciente. Se aplicarmos as teorias kleinianas ao nosso paciente, surgirão, sem dúvida, o paciente da posição esquizoparanóide, o da posição depressiva, o da culpa depressiva, etc. Se aplicarmos, por outro lado, o corpo de teorias lacanianas, surgirá, sem dúvida, o sujeito descentrado, ou seja o sujeito cujo pensar se dá em instância alheia ao conteúdo do pensar consciente. E assim, com os conceitos de Winnicott de um si mesmo falso e um verdadeiro; os de Kohut e o ego autônomo, enfim, surgirá sempre o paciente criado (Herrmann, 1991) pela aplicação do método dentro da camisa de força de qualquer teoria.
Qualquer objeto que tomarmos para estudo será objeto da física se for estudado com a aplicação do método da física, se esse lhe for aplicável. Se tomamos seu peso, suas dimensões, usando um dos sistemas de medida consagrados pela física (CGS, MKS), se calculamos seu centro de gravidade, sua elasticidade, seu calor específico, etc., ele será um objeto da física e ele, criado pela física, passará a chamar-se, agora, corpo. Se, por outro lado, fazemos com que entre em contato com outro objeto para observar que reações ocorrem entre eles e que nova combinação de elementos estas reações terão gerado, estaremos examinando-o com o método da química e ele, criado pela química, passará a chamar-se, agora, substância, ou, se preferirmos, receberá, na pia batismal, o nome de substância, filha legítima da química.
Assim com a psicanálise.
Será objeto da psicanálise aquele objeto que for estudado com o método da psicanálise se esse método lhe for aplicável. Ou, sendo mais preciso, será objeto da psicanálise aquele objeto criado pela aplicação do seu método e por meio dele estudado.

1 - Em todas as citações, os grifos são meus.
2 - Recorde-se que esta recomendação foi extraída de uma observação de Freud: “Tal aplicação da hipótese também poderia trazer consigo um retorno proveitoso da cinzenta teoria para o verde perpétuo da experiência.” (Freud, 1924 [1923]). Freud parafraseia o Fausto de Goethe (Goethe, 1832). Foi uma escolha infeliz de Freud, pois a frase parafraseada:
“Cinzenta, caro amigo, é toda teoria,
Verdejante e dourada é a árvore da Vida!”
é dita por Mefistófeles depois de pensar:
“Já cansei de falar austero e com bom siso,
Vou passar a expressar-me, agora, qual demônio.”
Segue-se longa explanação sobre a medicina e a ciência, uma intervenção de Fausto e, a seguir, a frase de Mefistófeles falando, portanto, como demônio, sem dúvida, um mau conselheiro.

icon O Método Psicanalítico por Mário Lúcio Alves Baptista (109 KB)

Referências

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