Ana Lúcia Bastos
Falcão
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O x da questão
O desejo do analista
sempre acompanhado de uma questão é o próprio x da questão. Tratando-se de
escolha de profissão, carreira... o importante é a decisão calcada nas
identificações e idealizações, no entanto, em oposição, o desejo de ser
analista não se apresenta como algo consciente, da ordem do ser, dos bens e da
moral. Não é um desejo egóico, nem parte da consciência. O “eu quero ser
analista” é efeito da análise, de restos da análise que tendo escapado da cadeia
significante terminam por ensejar uma escritura, um sinthome. Lacan sempre
salientou o perigo da identificação do analisante ao analista ser tomado como
fim de análise sublinhando a identificação marcando o início da análise e não
seu fim.
O desejo
Na análise o desejo
que conta e está em causa é um só, está do lado do analisante e não do lado do
analista, mas, vai depender do analista, do Desejo dele, que todo o processo
ocorra ou não. Que sentido teria o desejo do analista no processo? O analista
tem desejo, mas, não é o desejo singular dele que está em causa. Mesmo após uma
longa análise, levada a sério, o analista não fica desprovido de desejo, nem de
inconsciente. Os desejos são sempre infantis, inconscientes e indestrutíveis
lembra Freud. O analista, pela experiência de sua própria análise, adquire tanto
uma nova forma de lidar com seu inconsciente quanto um saber reconhecer o que é
o desejo, essa é uma das vertentes do seu saber fazer que opera no processo.
Assim, quando o analista “joga fora um analisante”, resiste na sua função, ou
seja, está implicado nisso. Trata-se dos pontos cegos acerca dos quais Freud
chamou nossa atenção, e que, em Lacan, corresponderia a dizermos: o desejo do
analista não funcionou, não foi possível ser operador nesse caso.
O Desejo do analista é
que a análise ocorra, que o analisante venha a sessão para falar. Não se pode
esperar do analisante que ele venha à análise fazer análise, ele vem sempre
fazer outra coisa... O que pode sobrepujar o desejo do analisante de fazer outra
coisa, é o que chamamos, a colocação em verdade do Desejo do analista, a partir
da sua própria análise.
É o analista quem guia o
tratamento, mas isto não tem o sentido de guiar a vida, a consciência de quem
escuta. Guiar o tratamento seria, portanto, saber fazer advir o saber do
analisante, fazer emergir esse saber que surge tomando como via o analista na
transferência.
O saber
e o amor
Em Formações do
inconsciente, o saber do analisante é abordado a partir das falhas do
discurso do analisante mas, no Avesso da Psicanálise, Lacan refere ao
inconsciente denominando-o saber sem sujeito.
O
analisante se dirige ao analista como objeto de seu amor, amor, propriamente, ao
Sujeito suposto saber ler, no entanto, o analista, a partir de estratégias,
reendereça essa suposição de saber ao analisante, ao inconsciente
dele.
O Amor do analisante é
uma tentativa de encobrir o desejo. Sabemos que o amor pertence ao registro do
imaginário, conseqüentemente, o amor ao Sujeito suposto saber é uma ilusão,
tentativa de fazer Um. O desejo, entretanto, é particular, do campo do
Simbólico, do Outro, da diferença. Um analisante me dizia: “Não sei o que
dizer” ao que eu lhe disse: “E é preciso saber?” Não é preciso saber para fazer
análise, é preciso, primordialmente, falar.
O
saber que opera, que funciona na análise, não é o saber consciente, mas, um
outro saber, que analisante e analista ignoram. No seminário sobre a
Transferência, Lacan destaca a “dialética ignorância-verdade” em
detrimento “da dialética mentira-verdade”(Laberge,J) para destacar a ignorância.
O saber do analisante é o S2 - saber inconsciente, recalcado – que ele ignora e
a verdade a que ele pode aceder não pode ser dita toda. Há uma frase muito
comentada de Lacan : Moi, la verité je parle( Eu, a verdade falo) que coloca, em
relevo, a verdade advindo na fala, mas isto não significa a verdade poder ser
dita toda. Há sempre um meio-dizer, porque estruturalmente, se a verdade pudesse
ser dita toda não restaria nada marcando o recalcado. Assim, a verdade não-toda
pode ser dita. Embora a verdade seja não-toda isso não a torna equivalente à
mentira ou ao engodo. Há algo que escapa sempre, o real do Simbólico chamado,
algumas vezes, o umbigo do sonho, fenda que marca o sujeito para sempre como
barrado, dividido.
O que se espera de um
analista é uma análise diz Lacan no texto Variantes do Tratamento Padrão.
Do lado do analista, supõe-se uma análise anterior e, conseqüentemente, que ele
suporte e reconheça o seu não saber da particularidade do desejo do analisante.
Essa posição remete a castração. O desejo é sempre desejo do desejo do Outro e é
por intermédio dessa colocação em causa do analista, enquanto semblante de
objeto a, que o analista pode, restaurando a repetição da pulsão na
transferência, fazer advir o que ignora e que concerne unicamente ao analisante.
Quando o analista tenta dirigir a vida do analisante, teme a ignorância, teme
não saber do impossível, o efeito desse temor do analista é a perda da direção
do tratamento no momento em que ele dá consistência ao lugar que ocupa, que
deveria estar esvaziado. Repete, portanto, a condição do analisante de
assujeitado ao desejo do Outro, ao desejo dos pais... Ao dar consistência a esse
lugar o analista se coloca como o próprio grande Outro em causa, fortalecendo
sua posição como de domínio e de prestígio. O desejo do analista é um desejo
advertido: impossível saber da particularidade do desejo e da história de cada
um!
No seminário o Avesso
da psicanálise Lacan ressalta a análise ocorrendo na passagem de um discurso
a outro e não em cada um deles. Define o sujeito como efeito do discurso
abordando os vários discursos: do mestre, da histérica, do universitário e do
analista. É nesse seminário que Lacan comemora: após dez anos chegou a
articulação do que chama discurso do analista. A posição do analista é “feita
substancialmente do objeto a”( Lacan, 1992, p.40) mas o analista deve
saber que não está nessa posição “por si. O objeto a é opaco, não é dado
ao conhecimento mas ao desejo, é a própria causa do desejo. O analista faz
semblante de objeto a, sabe que não é o próprio objeto de seu
analisante mas, apenas, lugar de promover a articulação.
A partir dos quatro
discursos podemos pensar a posição do analista sendo a de tentar fazer com que
seja produzido um novo S1, que retira o analisante da incidência de
determinantes. Nesse mesmo seminário Lacan salienta a posição do analista
deixando de ser a de suposto saber, exemplificando, que o que ele deve fazer
mesmo é dizer ao analisante: “-Vamos lá, diga qualquer coisa, vai ser
maravilhoso”.
O
analista tem o saber fazer, savoir faire, mas, para que esse saber entre em
função é preciso que ele se ofereça como semblante de objeto a – causa do
desejo - e que saiba operar. O que fazer para que o saber do analisante se
coloque, para nos oferecer enquanto lugar para esse endereçamento? O que
funciona aí? É o desejo do analista que funciona fazendo com que o analisante
possa repetir e elaborar na transferência conosco. Isso implica que o analisante
nos tome, de início, como Sujeito suposto saber mas, isso não para aí. Essa
suposição de saber é, inicialmente, endereçada ao analista que, a partir do seu
Desejo, faz o analisante reconhecer-se detentor do seu saber, da radical
diferença do Outro.
A posição
do analista
No seminário I Lacan
fala em analisar a palavra por andares, mas, ressalta a transferência
como motor da análise. A transferência surge a partir da resistência do
analisante, causada pela aproximação do núcleo do recalcado. Lacan situa
resistência nos momentos de paralisação do discurso, mas, paradoxalmente, é essa
impossibilidade de realização da palavra que faz com que ela seja “agida”,
“atuada”, tomando outra vertente. Enfim, é a resistência do analisante que
realiza a presença do analista, “incluindo ele na conversa”. A resistência à
verdade do discurso faz surgir a transferência.
Resistência
O
analista dá os meios para o analisante repetir, na relação com ele, a
necessidade da pulsão. Ao mesmo tempo, é preciso estar atento: tudo o que
intervém suspendendo, destruindo ou interrompendo a continuidade do tratamento
é uma resistência do analista. A resistência se expressa quando o analista não
se atém à realidade do discurso, mas, a realidade factual, empurrando o
analisante para o acting out, impedimento da realização simbólica do imaginário.
A
resistência é sempre do analista explicita Lacan nesse seminário. O desejo do
analista é que o analisante retorne a sessão e continue a experiência da
análise. A transferência é, principalmente, do analista à psicanálise. A
transferência do analisante ao analista é efeito da operação do Desejo do
analista. É nesse aspecto que ele faz entrar seu desejo, Desejo do analista,
esvaziado de conteúdo, desejo de obter a diferença absoluta.
O
Sujeito suposto saber, algumas questões...
Posteriormente, Lacan
introduz o conceito de Sujeito suposto saber, algumas vezes, nomeando-o Sujeito
suposto saber ler. Pensamos em seguir a trilha de questionamentos que surgiram
em relação a esses três termos. O Sujeito suposto saber ler o
inconsciente seria a posição de partida da análise na qual se situa o analista.
Pensar no analista na posição de Sss remete a seus efeitos. A suposição do saber
acarreta o amor, o analisante ama o saber que supõe no analista. O analista não
atende a demanda de amor porque sabe, a partir de sua experiência com o
inconsciente, que ignora a verdade do desejo do analisante. O que é, portanto,
próprio à posição do analista é reendereçar a suposição de saber ao analisante.
O amor do analisante é uma tentativa de encobrir o desejo do Outro: “amo aquele
que imagino saber tudo de mim!”. A resistência do analista seria, servindo-se da
suposição do saber, da ordem do imaginário, ocupar o lugar de amante. O
exercício dessa posição de domínio impede o analisante de des-supor o saber do
analista. O analista nessa posição termina reforçando a demanda de amor do
analisante alimentando a doença, fechando a possibilidade do surgimento do
desejo.
O
termo sujeito também é questionado. Lacan fala do sujeito como efeito do
discurso, sujeito evanescente, no entanto, no seminário 17, O avesso da
psicanálise, apresenta o discurso do mestre, universitário, da histérica e
do analista situando a análise na passagem de um discurso ao outro e não em cada
um deles. Nesse momento, interpreta o inconsciente como saber sem sujeito. O
inconsciente fala por si só. O analista não tem um lugar ontologizado, compacto,
mas é apenas uma função operadora. Pensamos na resistência do analista em
colocar seu desejo em função sendo a possibilidade dele se colocar com seu
inconsciente, dando consistência ao lugar de sujeito, colocando-se enquanto
pessoa ou participando de uma espécie de comunicação de inconsciente para
inconsciente.
Em
relação ao saber suposto se trata do analista não se manter na posição na qual o
analisante o coloca como aquele que sabe do seu inconsciente, do desejo dele,
mas como aquele que sabe fazer aí(Savoir y faire), sabe fazer com seu sintoma,
com a verdade. O saber fazer suposto pode dizer respeito ao saber fazer com o
“não há rapport” sexual”, citado no Seminário XX Mais, ainda, e saber
fazer com os restos do Real do fim de análise ou com os fenômenos da ordem do
Real da psicose.
O
Corte
Apesar de iniciar
elaborações, no seminário VI, sobre o corte produzido pelo analista enquanto
algo eficaz, é no seminário A Angústia que Lacan acentua sua importância. Nesse
seminário ressalta o sujeito desejante como instituído pela falta e não pela
presença do desejo do grande Outro. A aproximação do desejo do grande Outro, a
presença do objeto a causa o apagamento do desejo, do sujeito. Lacan
critica, principalmente, as considerações de Margaret Little acerca da
contra-transferência. Para Margareth Little a análise seria o encontro entre o
analista, alguém que dispõe de algo a mais, com alguém que tem
necessidades. O termo necessidade é questionado. Trata-se na análise de demanda
associada aos desejos e não de necessidades. Os desejos são sempre
insatisfeitos, tentar atendê-los seria responder ao impossível. O analista na
posição fálica resiste à castração, tentando completar o sujeito no que ele tem
de primordial em sua constituição – a falta. Se o analista se coloca nesse
lugar, tamponando a falta, encontramos mais uma vez a fórmula da angústia. Falha
a falta, o suporte da falta. Enfim, é o corte que marca a função do analista
promovendo a articulação do desejo, introduzindo a falta, a castração.
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terça-feira, 23 de outubro de 2012
DESEJO DO ANALISTA
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