segunda-feira, 29 de outubro de 2012

PSICOLOGIA no BLOG: Relatório ou Laudo psicológico

PSICOLOGIA no BLOG: Relatório ou Laudo psicológico:   O relatório ou laudo psicológico é uma apresentação descritiva acerca de situações e/ou condições psicológicas e suas determinações histór...

Teste do Desenho: Um Espelho da Alma | Psicologia

Teste do Desenho: Um Espelho da Alma | Psicologia

A arte é uma mentira que nos permite atingir a verdade
(PABLO PICASSO, 2004, p.123).
O teste do desenho é mais um dos recursos ao qual o psicológico recorre como auxiliar da sua praxe seja na empresa, indústria, clínica ou escola. Em suas variadas formas, ele está presente nas atividades de seleção, avaliação e ajuda psicológica. Mas, afinal, o que se busca avaliar por meio do desenho nessas situações? Este artigo pretende esclarecer e contextualizar o teste do desenho, na tentativa de dissipar dúvidas que, quase sempre, angustia os candidatos quando submetidos, em particular, a esse tipo de instrumento nos processos seletivos. Campos (1999) destaca que o primeiro trabalho sobre o desenho como fenômeno expressivo, digno de menção, foi realizado em 1887, por Ricci, em Bolonha. O H-T-P (House - casa, Tree - árvore, Person - pessoa), é o teste projetivo mais usado em exame psicotécnico/seleção de pessoal, avaliação clínica, etc. Outros testes, mas apenas por meio da figura humana, a exemplo do Goodenough e do Machover, estão voltados para mensuração da inteligência infantil.
Nesse momento, se faz necessário uma breve descrição do H-T-P. Este teste é administrado à criança acima de 8 anos de idade, adolescente e adulto, cuja aplicação pode ser em nível individual ou em grupo. Seu tempo de realização é livre, mas, geralmente, não ultrapassa a média de 30 a 90 minutos. O material utilizado é papel ofício A-4 (tamanho ideal, não pode ser papel com pauta), lápis grafite n. 2 (de modo geral grafite é mais apropriado para desenhar, facilita o controle do tônus muscular sobre os traços, ao passo que o estereográfico é escorregadio). Os desenhos são feitos à mão livre, ou seja, sem régua ou objetos que sirva a essa função. Embora, o uso da borracha, por parte do aplicador, seja optativo, quase sempre compõe o kit, até porque que a sua utilização, por si, já consiste em motivo de análise. Quando se trata de criança, também se utiliza lápis coloridos, no que se constitui, assim, a Bateria Acromática e Cromática do H-T-P.
Na concepção de Buck (2003), o H-T-P tem como objetivo obter informação sobre como uma pessoa vivencia a sua individualidade em relação aos outros, e em facilitar a projeção de elementos da personalidade e de áreas de conflitos, identificados como o propósito de avaliação ou terapêutica. Ainda para o autor, “os desenhos também estimulam o estabelecimento de interesse, conforto e confiança entre o examinador e o cliente”(p.2). Sua técnica se respalda no “conceito de que os desenhos da figura humana”, bem como os da casa e da árvore, “são úteis para o estudo da personalidade ou como meio de diagnóstico na avaliação clínica, e se fundamenta na teórica na psicologia da imagem de si mesmo, assim como na teoria psicanalítica da projeção” (HARRIS, 1981, p.57- grifo nosso).
Para Levy (apud TRINCA, 1987), o desenho além de projetar a imagem corporal, usualmente compõe uma gama de projeções relacionadas ao autoconceito, a imagem ideal do eu, e as atitudes para com os outros, mesmo com o examinador na situação da testagem. O teste do desenho pode ser uma expressão consciente, como também incluir símbolos disfarçados e fenômenos inconscientes. O desenho da figura humana, segundo Alves (apud WECHSLER, 2003), é uma das medidas mais utilizá-las pelos psicólogos brasileiros, na maioria das vezes com o intuito de avaliação emocional mais do que cognitiva. A frequência da utilização dessa técnica, certamente, se deve a sua composição simples, aparentemente objetiva e de baixo custo financeiro (HUTZ e BANDEIRA apud WECHSLER, 2003).
Ao examinando é solicitado, geralmente, um mínimo de três desenhos, e, em seguida se conduz o Inquérito1. Nessa etapa do Inquérito é extraído o maior número possível de informações e descrições subjetivas que o examinando discorre sobre cada uma das figuras grafadas. Cabe ressaltar que, na clínica, esse manejo é bem mais favorável de se consolidar do que num exame psicotécnico, por se tratar, quase sempre, de grupo. Para Deleuze (1997), o devir não é imaginário, bem como uma vigem não é real, ele faz do mínimo de um trajeto ou da sua imobilidade no mesmo lugar, uma viagem; e é esse percurso que leva o imaginário a um devir. Ao trazer esta afirmativa deleuziana para o contexto desta discussão, diríamos que este teste é o “devir”, e que o examinando é o “imaginário”. Daí a importância do Inquérito. Este, junto ao desenho funda as disposições de acesso ao indivíduo, com significativa e vertical compreensão do seu Eu.
Em outras palavras, é a fala do examinado, no seu sincero propósito de colaborar com o processo, que vai dar mais sentido, e legitimar mais ainda as expressões dos seus desenhos. Afinal, “toda linguagem é uma linguagem exposta à emergência dos efeitos do inconsciente” (NASIO, 1993, p.79). Nessa perspectiva, Deleuze (2006) ressalta que a estrutura se estabelece daquilo que é linguagem, seja ela esotérica ou não-verbal, do mesmo modo em que “só há estrutura do inconsciente à medida que o inconsciente fala e é linguagem” (DELEUZE, 2006, pp.238-9). O desenho é uma outra forma de linguagem por meio do qual o inconsciente também se manifesta. Para Campos (1999) o desenho na vez de técnica projetiva reflete uma impressão do “todo” do indivíduo, como uma “Gestalt2 organizada, que aparece em toda a sua extensão, pelo olhar do examinador experiente na técnica da interpretação de desenho (grifos da autora).
A autora acredita que tudo esta no desenho, cada linha e parte em suas relações com as outras, o aspecto da sua elaboração com um todo apresenta um efeito unificado, diferente do Rorschach que, além de não apresentar tal clareza de interpretação, necessita de cálculos e escores. Enfim, “a projeção do Desenho é apreendido pelo clínico com uma unidade; o Rorschach deve ser tratado parte por parte” (CAMPOS, 1999, p.27). Por questões inerentes à conduta para com os testes psicológicos, não é possível esmiuçar aqui o significado específico do H-T-P, ou seja, em que se consubstanciam seus itens, isto, se não o invalidaria, entretanto retiraria um pouco do seu impacto avaliativo.
Existem os desenhos projetivos a exemplo do Zulliger (aplicação individual ou coletiva, por meio de slides ou apresentação de 3 cartões ou lâminas), e do Rorschach (aplicação somente individual, mediante a apresentação de 10 cartões ou lâminas), com os seus famosos borrões de tinta que se constituem de estímulos ambíguos. O indivíduo descreve, verbalmente, como os percebe. Feito isso, terá que destacar com lápis de cores variadas nas folhas de localização, uma espécie de marca d`água, os locais nos quais as imagens inspiraram suas respostas. O H-T-P é um teste projetivo, mas gráfico, isto o diferencia destes outros citados.
Os três desenhos do H-T-P trabalham com a mesma deliberação tendo em vista para a interpretação das características da personalidade,estado emocional, transtorno mental3 e outros. Convém salientar que, este teste, apesar da sua relevância tende a denotar aspectos patológicos dos quais quase ninguém escapa. Assim sendo, a praxe recomenda a aplicação de mais de um teste de personalidade quando da avaliação do item específico: Personalidade, e da importância de que o avaliador perceba em quais situações deve relativisar os seus dados qualitativos.
Segundo Van Kolck (1984), o indivíduo ao atender à solicitação - “desenhe uma pessoa” - lança sobre o papel a imagem corporal que possui e que se torna veículo de expressão de sua personalidade (p.14). A autora acrescenta que essa imagem não é apenas consciente, mas também construída como base no corpo do outro, e que não está ligada somente à aparência, mas, em especial, a qualidade da relação. A folha de papel em branco representa o mundo externo do indivíduo que nos desenhos livres é ocupada por objetos diversos sem conexão entre si, ou, pelo contrário, isolados, ou mesmo vazios de conteúdos (PICCOLO, 1995), e, por vezes, porque não, bem distribuídos, relacionados e harmonizados.
O sistema inconsciente, estranhamente, é colocado em dúvida por Nasio (1993), ao mesmo tempo em que indica o suposto lugar do seu trânsito. Para o autor, “se o inconsciente existe, ele só pode existir no interior do campo da psicanálise e, mais precisamente, no interior do campo do tratamento analítico” (p.49). Diríamos que o inconsciente está na vida, no cotidiano das pessoas, e em toda atuação psicológicas, embora umas abordagem priorizem, outras o pretira ou ignore. O inconsciente não é uma invenção de Sigmund Freud, nem patente da psicanálise. Segundo Mueller e Hergenhahn (apud GORSKI, 2005), se atribuem ao filósofo Gottfried W. Leibniz a descoberta do inconsciente muito antes de Freud tocar nessa tecla.
O desenho é uma das mais autênticas expressões do testando, uma vez que capta, em particular, conteúdos inconscientes, sem a sua intervenção. Embora ele possa até intuir que algo do seu interior, do seu Eu, irá torná-lo conhecido, mas não consegue ter o controle sobre o que será exposto. Isto certamente o angustia bem mais, porque o deixa vulnerável. Porém, a intenção não é deixá-lo numa situação desconfortável. Mas, esse teste se estrutura de tal modo que o examinando não consegue manipular informações ao seu favor. Posto que, ele não tem noção de quais aspectos dos desenhos serão considerados favoráveis ao seu caso.
Com exceção de figuras estereotipadas - a exemplo de coqueiro, bananeira e pessoa unidimensional ou feita de “palitos”-, que são impróprias para serem analisados porque não oferecem material suficiente, no teste do desenho não tem resposta certa nem errada. Logo, todos os componentes dos desenhos são analisáveis. A grosso modo, o H-T-P se compara a uma radiografia psíquica. Considerado o fato de que o candidato ou examinado não tem controle sobre os testes, durante o processo de seleção ou avaliação o mais sensato é procurar relaxar (fazer exercícios respiratórios, e manter os pés bem apoiados no chão, sobretudo e de maneira moderada nos momentos antecedem a sua realização, são fundamentais), e ariscar-se em: “Ser a própria pessoa, sem subterfúgios, ou representar algum personagem”, e ser cooperativo às realizações e às solicitações da demanda diagnóstica ou psicométrica. Uma vez que assim proceda, e essa postura é válida para todos os testes, estará facilitando uma melhor denotação do seu potencial, e como consequência um resultado mais satisfatório do seu desempenho.
Para um melhor entendimento do trabalho prático com desenhos, a seguir serão apresentadas quatro vinhetas de dois casos clínicos, e de dois exames psicotécnicos. Um paciente, médico, estava em crise no casamento. A sua esposa se queixava que isto se devia, em grande parte, à relação simbiótica do marido com os parentes, em especial ao seu apego à mãe viúva. O que era, veementemente, negado por ele, que se dizia independente e acostumado a se “virar” sozinho. Portanto, está casado ou solteiro lhe parecia, apesar deste seu segundo matrimônio, ser indiferente, etc. Solicitei que ele desenhasse a sua família.
Depois de relutar, de questionar a utilidade do desenho, meio indisposto do tipo: “Só vou fazer porque não tenho outra alternativa”, com o lápis esgrimiu rápidos golpes no papel. Este gesto que também tem outras significações, aqui se restringirá ao que foi explicitado: Quatro esboços do mesmo tamanho, similares, e um apêndice junto e a esquerda do primeiro esboço da sequência. Cada garatuja como se fossem parênteses sobrepostos. Um menor “a cabeça”, em cima de um outro maior “o tórax”, e a base do primeiro, bastante rechonchuda em relação aos demais, representando os quadris.
Quando do Inquérito, apontei para que os nomeasse, o dos quadris largos era sua mãe, o apêndice que sugeria algo como: “Preso à barra da sua saia”, o paciente se auto-reconheceu, e os outros eram seus irmãos. Sugeri que fizesse um outro desenho, mas, com a sua família: mulher e filho (esta fora a intenção inicial). Desta vez apareceram figuras, mas sem se tocarem: Um homem, na direita do papel, olha para o oeste; uma mulher no seu lado esquerdo, olha para o leste, e uma criancinha dava a impressão de engatinhar alheia ao casal. Ao chamar sua atenção para estes detalhes, o paciente se conscientizou das suas dificuldades, e pareceu disposto a repensar e a assumir seu casamento.
Um outro paciente, este já em fase de ser liberado para cirurgia bariátrica, se dizia muito bem, e que havia superado o trauma de hospital, etc. Sugeri que ele fizesse a cena desse dia tão sonhado. No desenho bem elaborado - não quer dizer bonito, perfeito, mas, que seus componentes estão nitidamente representados -, se evidenciou uma figura de barriga enorme, deitada na mesa de cirurgia sob um grande refletor, e com os olhos arregalados em direção à porta. Ao longo do seu corpo três pessoas identificadas como o cirurgião, a anestesiologista e uma enfermeira. Com base nesse “olhar de pavor com desejo implícito de fuga”, ele resolveu adiar a cirurgia, por uns quinze dias, com o objetivo de explorar um pouco mais esse medo.
Uma examinada, no psicotécnico, achou que a perfeição do desenho seria considerada, daí reforçou e retocou todos os desenhos. Seu H-T-P ficou bizarro, e adquiriu uma outra conotação. Esse fato junto à mesma atitude no Teste Palográfico de reforçar os traços (palos), quando da contagem dos mesmos, contribuíram para a sua não indicação. Num concurso público bastante concorrido, uma candidata à vaga de Agente de investigação (função fictícia para dificultar associações), de repente, por conta de uma pergunta da sua concorrente, durante a realização de um teste, ficou agressiva, e bastante exaltada. Seu protesto tinha um pouco de pertinência, houve de fato uma pequena interferência, mas que não devia ter ocorrido. Porém, não chegara a prejudicar o andamento do todo.
Quando reunidos para discutirmos o caso, a psicóloga e o estagiário responsáveis pela sala, estavam se sentindo profundamente culpados e incompetentes. Na função de um dos membros da coordenação do evento, chamei a atenção de que lhes tinha faltado uma prontidão para conter essa interferência, mas que a reação da moça fora exageradamente desproporcional ao incidente. Na análise do seu teste, todos os desenhos, em especial o da figura humana apresentava vários indicativos de intensa agressividade. Chegou-se a conclusão de que a sua agressividade e tensão não eram reacional a situação da testagem, mas constitucional à sua personalidade. A candidata foi considerada, temporariamente, inapta para o cargo.
O desenho tem a função de estabelecer contato, investigação e tratamento. Na comunicação verbal o examinado poderá tentar conduzir, com seus argumentos, o interlocutor para determinado foco, persuadi-lo para o que julga ser crucial para conquistar a vaga. Daí a grande vantagem do desenho, o indivíduo não tem a chance de exercitar esse artifício. Assim como o corpo fala, o desenho diz por meio do inconsciente, aquilo que, por cautela ou autocensura, o seu autor não se permite verbalizar. No psicotécnico, os traços de personalidade identificados nos desenhos são comparados ao perfil que se exige para o cargo. Nesse caso, por vezes, sujeitos de elevado nível cultural e consideráveis características pessoais, não são contempladas. Do mesmo modo que, um outro, com menos potencial poderá se adequar melhor a essa função.
Num primeiro momento, esse processo, parece meio sem lógica e, em particular, cruel. Deve-se lembrar que este sistema é capitalista, e que a escolha de um candidato se dá em relação a diversos fatores. Alguns são bem específicos de cada empresa ou processo seletivo. Por exemplo, numa empresa na qual não haja perspectiva de ascensão funcional, colocar uma pessoa com elevado nível de escolaridade, inteligente, e criatividade, numa função “elementar”, sem possibilidade de crescimento, seria condená-la ao desajuste. Também seria motivo de constrangimento indicar uma outra para uma colocação que está além do seu potencial. Ela se desgastaria para atingir um nível razoável de satisfação produtiva, ou não atingiria, gerando frustração, ou mesmo, algo mais sério. Segundo Codo e Vasques-Menezes (apud ABREU et al., 2002), as pessoas entram em burnout4 ao se sentirem incapazes de investir em seu trabalho, e em consequência da incapacidade de lidar como o mesmo.
Um processo seletivo não é pensado em ternos emergenciais. Entre outros, também porque, contratação no Brasil, implica em encargos sociais altíssimos, etc. Na situação de desempregado há disposição sim, mas que, se não forem seguidos os parâmetros racionais de seleção, não há nenhuma segurança de que seja mantida. Atendida as necessidades básicas de subsistência, outras ocuparão o campo psicológico do indivíduo. Assim sendo, vem à tona o velho jargão, de que somente “o casamento da pessoa certa com a função”, poderá resistir às intempéries ocupacionais.
Entre os desenhos, é o da figura humana geralmente o mais realizado, mas, paradoxalmente, é também o mais rejeitado. Para Buck (2003), isso está associado ao nível de desajustamento do sujeito, uma vez que evidencia, mais diretamente, as dificuldades das relações interpessoais e a consciência corporal, mais do que a casa ou árvore. No que se refere aos dados de inteligência, aptidões, etc., feitas as suas devidas ponderações, pode se considerar os mais elevados escores ou percentuais. Ao passo que, na avaliação ou análise da personalidade propriamente dita, os aspectos mais comprometedores são vistos em relação à capacidade adaptativa. Junto a outros itens que poderão ajudar o paciente a superar as suas dificuldade, e, no caso do examinado, no psicotécnico, a enfrentar as situações. Por conseguinte, tenta-se fazer prevalecer o princípio de que, a parte mais saudável, uma vez destacada e valorizada, favorece as outras mais afetadas: “Como alguém conta comigo, eu sou responsável por minha ação perante o outro” (RICOEUR apud SENNETT, 2002: 174). Todo paciente, etc., por mais comprometido que pareça sempre apresenta algum “gancho” como ponto de partida para a sua ajuda.
Porém, nem sempre é fácil de desvelar áreas conflitivas, para perceber os potencias de um candidato, é preciso técnica e atenção, e, no caso clínico, paciência, bem como persistência, para encontrar e alargar as arestas que contribuam para a “cura” do paciente ou remissão do seu sintoma. Van Kolck (1984) salienta que além da projeção5, mecanismos como identificação6 e introjeção7 podem se manifestar, mas certamente a expressão e a adaptação são os dois processos que ocupam lugar de importância quando o desenho é concretizado. A adaptação, expressão e projeção, segundo a autora, estão explícitas no ato de desenhar. Assim sendo, mais do que qualquer outra especificidade de produção pessoal, deve ser visto com bastante critério os aspectos: Adaptativo que diz respeito à adequação à tarefa solicitada, sua correspondência em relação à faixa etária, sexo e, eventual, patologia; Expressivo que analisa o estilo característico da resposta que se mostra por meio gráfico da forma; e o Projetivo que verifica as situações e objetos que denotam conteúdo e a maneira de tratar o tema.
No teste do desenho, embora seu enunciado se refira “ao melhor que o examinado possa desenhar”, a estética ou beleza artística não é considerada, mas os conteúdos que estão representados. Histórias, críticas, sentimentos e emoções verbalizados durante a aplicação e no inquérito são dados complementares que podem até colaborar com o fechamento do Parecer de um Laudo. Tudo que o indivíduo faz, diz, escreve, desenha é uma projeção do seu Eu, ou são fragmentos de si mesmo. Ele pode até não ser exatamente aquilo, mas está de alguma forma, por meio desses sinais, representado. Van Kolck (1984) cogitar que há “casos de rejeição em graus diferentes de intensidade, a partir da negação a desenhar até o não complemento do desenho”(p.10 - grifo da autora).
Na situação de testagem, o discurso de que não sabe desenhar, a priori pode sugerir uma preocupação com a plástica do desenho, mas, na realidade, trata-se de resistência, um mecanismo de defesa, receio de se projetar. De modo geral, “todas as defesas contêm aspectos adaptativos e são indispensáveis para um ajuste adequado à realidade” (PICCOLO, 1995, p.209). É a “melhor solução” (grifo da autora) encontrada pelo sujeito para lidar com as situações, a sua maneira de perceber e conectar-se tanto com a realidade interna quanto com a realidade externa. Em virtude disto, interessa conhecer quais os perigos fantasiados que o ego tenta evitar, e no que acredita como de mais terrível que possa ocorrer caso relaxe essa conduta defensiva (idem, ibid).
Assim como o corpo não mente, e conta coisas sobre a história emocional, e dos mais profundos sentimentos, caráter e personalidade (KURTZ e PRESTERA, 1989), o mesmo pode-se dizer do desenho, que também funciona com uma estrutura similar à grafologia. Assim como na grafologia, o teste do desenho é uma série de atos, de registros gráficos dos movimentos, “quer dizer, como um filme em que o próprio indivíduo plasma, graficamente, seu tipo de inteligência, sua sensibilidade, seus impulsos, suas tendências, suas reações etc.” (VELS, 1997, p.39).
Segundo Vels (1997), a grafologia tem a vantagem de nos dar uma imagem fiel do indivíduo revelada por ele mesmo, sem intermediário e sem risco de inibição e nervosismo que todo teste psicotécnico produz, quando o indivíduo se sente “examinado” (p. 11 - grifo do autor). É verdade que toda situação de testagem gera algum tipo de tensão, mas, se o indivíduo é conhecedor de que sua grafia é objeto de avaliação, por que na grafologia seria diferente? Enfim, no processo psicotécnico,, se destina um tempo para o Rapport8 ou “quebra gelo”, entre outras, para desmistificar os testes, etc., e também para atenuar a ansiedade ou nervosismo dos examinandos (SILVA, 2007).
Tomando por base o exposto poder-se-ia indagar se o treinamento do H-T-P, por exemplo, leva a exposição de desenhos mais satisfatórios? Nunca é demais ressaltar, que não é permitido o treino de qualquer teste psicológico. Isto fere os princípios éticos que regem a categoria, e que está sujeito à invalidação e punição por parte do CFP (Conselho Federal de Psicologia) que regulariza a profissão. Mas, na hipótese de um sujeito recorrer a esse expediente ilegal? Esse macete com o teste do desenho pode até implicar numa vantagem, mas aparente, uma vez que camufla determinados aspectos, mas, dificilmente, não deixará de transparecer as características que, de fato, são inerentes a sua personalidade.
Provavelmente, ficaria um desenho confuso, correndo o risco de que, exatamente por isto, ser preterido, haja vista as incoerências da expressão dos desenhos. Também deve ser considerado o fato de que a avaliação não se dá somente na exclusividade de um desenho ou teste, mas no seu conjunto que subsidia a decisão do examinador. Nesse sentido, Van Kolck (1984) diz que um traço gráfico isolado nada significa. Cada traço deve ser considerado em conexão com os demais e no contexto geral do desenho (p.6). Enfim, o treino não é garantia para assegurar vaga ou carteira de habilitação.
Na perspectiva de ser um psicanalista fazendo outra coisa mais apropriada para a ocasião, Winnicott (apud MENCARELLI e VAISBERG, 2005) propunha uma espécie de jogo de traços e rabiscos no qual cada pessoa deveria finalizar apenas com um desenho esboçado pelo outro. Assim, em poucos encontros era possível chegar ao núcleo problemático do paciente. Apesar desta “deixa” de Winnicott, o desenho na condição de modalidade de teste psicológico é pouco estudado na academia, como consequência seu uso, em termos proporcionais, ainda é bem restrito.
Com exceção da ênfase infantil, e do psicotécnico, o teste do desenho não tem uma presença maciça em termo do auxílio que esse recurso pode trazer. Talvez por consistir-se num instrumento de característica rudimentar - todo mundo, de uma forma ou de outra desenha, rabisca, etc., desde os seus primórdios de criança -, não tenha sido valorizado. Segundo Lipovetsky (2005), “não é mais apenas a riqueza do material que constitui o luxo, mas a aura do nome e renome das grandes casas, o prestígio da grife, a magia da marca” (p. 43). Mas este imperativo simbólico, não é exclusivo da moda. Talvez, nesse universo, seja mais explicitamente ditatorial, todavia está também nos mais diversos universos dos segmentos sociais, mesmo no acadêmico, e nem sempre de modo subjacente.
Enfim, os trabalhos mais expressivos em relação ao desenho estiveram voltados para saúde mental a cargo da Nise da Silveira. Esta psiquiatra que não aceitava o eletrochoque - atualmente denominado eletroconvulsoterapia9 - como meio de tratamento, recorreu ao desenho, modelagem e pintura, na sua assistência aos pacientes psicóticos. Em 28 de setembro de 1956, no Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, fundou o Museu de Imagens do Inconsciente.
O desenho está imerso na realidade social, nas suas mais diversas matrizes de arte, seja mediante das obras clássicas, sofisticadas, estilizadas, e até mesmo nas manifestações dos anseios e protestos populares por meio das grafites de rua. Porém, o desenho na sua função de Avaliação Psicológica, não pode se constituir numa tarefa simplória, não se trata de deleitar ou rejeitar conforme o conforto ou incômodo da percepção. Mas, de ir além, traspassar para enxergar, ali, uma vida imbricada noutras vidas, que almejam pela realização de um sonho, atender uma necessidade, e ter uma chance. Finalmente, o teste do desenho tem o dom de veículo que aproxima, e se faz explicitar dos fragmentos, das nuances de luz e sombra, a compreensão. E, assim, se fecha a gestalt de quem ajuda (psicólogo), e de quem espera ser ajudado (paciente, examinado).
NOTAS:
1. O Inquérito consiste num roteiro padronizado de perguntas que são feitas após a conclusão de cada desenho. Isto não significa dizer que o aplicador não possa explorar, de maneira mais espontânea, itens que não ficaram claros, conforme a necessidade.
2. Teoria da Gestalt afirma que não se pode ter conhecimento do todo por meio das partes, e sim das partes pelo todo, uma vez que o conjunto possui leis próprias que regem seus elementos. Só mediante a totalidade é que o cérebro pode, de fato, perceber, decodificar e assimilar uma imagem ou um conceito. Esta teoria deu origem a Psicologia da Gestalt que, por sua vez, enfatiza os processos que envolvem figura e fundo, e a percepção ativa do indivíduo no aqui e agora (FAGAN e SHEPHERD, 1980). No entender de Rey (2003), a Gestalt move-se claramente em função de uma compreensão holística dos fenômenos psicólogicos.
3. A expressão doença mental foi substituída por Transtorno mental (MATOS; MATOS; MATOS, 2005, p.313).
4. Burnout é um termo de origem inglesa que designa “algo que deixou de funcionar por exaustão de energia” (OLIVEIRA apud SILVEIRA et al., 2005, p.159). Esta síndrome também pode ser definida como um estado de exaustão emocional, física e mental causado por elevado nível de exigência durante longo tempo (PINES e ARONSON apud idem, ibid).
5. Projeção é a operação pela qual o sujeito expulsa de si e localiza no outro, pessoa ou coisa, qualidades, sentimentos, desejos que ele desconhece ou recusa em si mesmo. Comum na paranóia, e na superstição dos “normais” (LAPLANCHE e PONTALIS, 2004).
6. Identificação é o processo psicológico pelo qual se assimila aspecto, propriedade, atributo do outro e se transforma, total ou parcial, segundo esse modelo. Enfim, a personalidade constitui-se e diferencia-se por uma série de identificações (LAPLANCHE e PONTALIS, 2004).
7. Introjeção é processo de aproximar-se da incorporação, que constitui o seu protótipo corporal, mas não implica necessariamente ao seu limite (introjeção do ego, do ideal do ego, etc.). Está estreitamente relacionada com a identificação (LAPLANCHE e PONTALIS, 2004).
8. Maiores informações sobre o Rapport podem ser encontradas no texto: Os Testes Psicológicos e as suas Práticas (SILVA, 2007 - http://www.algosobre.com.br/ - artigos / psicologia).
9. Com base em Fink e Berrios, Perizzolo et al. (2003) dizem que a eletroconvulsoterapia é o tratamento mais controverso tanto quanto mais polêmico da psiquiatria. Sua própria natureza, histórico de abuso, apresentações desfavoráveis da mídia, e testemunhos de pacientes tão convincentes quanto desiformados contribuíram para o contexto de tal visão.
Livro do Autor Valdeci Golançalves
REFERENCIAL
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Método Psicanalítico: 2 - O Método da Ciência | Psicologia

Método Psicanalítico: 2 - O Método da Ciência | Psicologia

Método Psicanalítico: 2 - O Método da Ciência

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Estes fatores, embora tenham contribuído para o esclarecimento do conceito de método e de objeto de cada ciência nos dias de hoje, ainda estavam muito no início de sua discussão e concepção quando da descoberta da psicanálise por Freud e, no meio psicanalítico, os termos ainda guardam a imprecisão de tempos anteriores, do fim do século passado. Assim, nós psicanalistas, somente agora podemos abeberar-nos desta evolução na filosofia para tentar conceituar nosso método e nosso objeto.
Por este motivo o método psicanalítico tem recebido o mesmo tratamento impreciso pela grande maioria de nossos colegas. Seria melhor dizer que é raro que colegas se debrucem reflexivamente sobre o conceito de método psicanalítico, ou seja, que indaguem e busquem esclarecer qual é, exatamente, o método de nossa ciência.
Pelo fato de a psicanálise ter sido descoberta por Freud antes desta evolução, era de se esperar que Freud também cometesse as mesmas confusões próprias à ciência vigentes na sua época. Nem mesmo o texto “O Método psicanalítico de Freud” (Freud, 1904 [1903]) é um detenimento reflexivo sobre o método mesmo quando este dá o nome ao artigo. Este texto deixa bem claro, entretanto, que é o método psicanalítico que distingue o que seja psicanálise: “O método psicanalítico específico que Freud emprega e descreve como psicanálise...”.
Ou seja, método e disciplina confundem-se em uma única coisa. Logo abaixo, no mesmo texto, começa a confusão que vai estender-se primeiro entre método e processo, depois, entre método e técnica. Aquela mesma confusão que encontramos ao tentar encontrar o conceito de método na filosofia e nas outras ciências.
Vejamos pequenas citações, incompletas, todas do mesmo texto:
“... Freud reviveu este processo...” Quando está falando do método..
“As modificações que Freud introduziu no método de tratamento catártico de Breuer foram, de início, modificações de técnica...” Aqui, está falando de método e modificações técnicas, mas não dispõe ainda de recursos para separar método do seu conjunto de técnicas.
Expondo as razões pelas quais deveria procurar um substituto para a hipnose, Freud diz: “A menos que se pudesse produzir um substituto para esse elemento ausente, qualquer efeito terapêutico estava fora de cogitação.
Freud encontrou este substituto — um substituto bem satisfatório — nas ‘associações livres’ dos seus pacientes, ...”
Assim Freud afirma ter encontrado um substituto para a hipnose, seguramente uma parte técnica do método catártico. Portanto, esta última passagem deixa claro serem as associações livres um substituto para a parte técnica do método, a hipnose. É metonímica a tomada da associação livre pelo método psicanalítico, ela é em verdade “uma parte do método”, uma de suas questões técnicas, como vimos.
A afirmativa de ser a associação livre a parte técnica do método psicanalítico é compartilhada por Renato Mezan (Mezan, 1996) que, estudando o mesmo texto, cita esta passagem, de Freud, bastante esclarecedora: “Este trabalho de interpretação aplica-se não somente às ideias do paciente” — às associações livres, portanto — “como também aos seus sonhos, que desvendam a abordagem mais direta a um conhecimento do inconsciente, às suas ações não intencionais e também às sem objetivo (atos sintomáticos) e aos erros grosseiros que pratica em sua vida cotidiana (lapsos de linguagem, erros palmares e assim por diante).” Ou seja, é sobre tudo isto que se aplica o método psicanalítico — a interpretação — usando, sim, uma técnica — a técnica da associação livre.
Nos artigos sobre técnica, a afirmação: “... a regra fundamental da psicanálise, que estabelece que tudo que lhe venha à cabeça deva ser comunicado sem crítica, ...” (Freud, 1912) merece uma nota de rodapé de James Strachey na qual mostra mais uma vez a característica de técnica e não de método da associação livre: “Este parece ser o primeiro emprego do que doravante tornou-se a descrição da regra técnica essencial.” Assim, parece mesmo não nos restar senão tomar a associação livre como regra técnica e não metodológica.
Há outras ocasiões em que Freud toma técnica por método, vejamos: “Descobrimos métodos técnicos de preencher as lacunas existentes nos fenômenos de nossa consciência...” (Freud, 1940 [1938]) ou “... fazer uma escolha entre dois métodos ou técnicas.” (Freud, 1940a [1938])1.
Parece, portanto, que, quanto à precisa conceituação de método psicanalítico, não podemos contar com Freud, mas quanto à questão de ser a associação livre uma regra técnica, penso que sim. Há, além da passagem citada, uma outra que nos ajuda a pensar desta forma: “Fazemos um pacto com o paciente. O ego enfermo nos promete a mais completa sinceridade — isto é, promete colocar à nossa disposição todo o material que a sua autopercepção lhe fornece; garantimos ao paciente a mais estrita discrição e colocamos a seu serviço a nossa experiência em interpretar material influenciado pelo inconsciente.” Ou seja, sobre a associação livre, aplicamos a interpretação — o método psicanalítico.
Outra constatação “A hipnose, contudo, desempenhara o serviço de restituir à lembrança do paciente aquilo que ele havia esquecido. Era necessário encontrar alguma outra técnica para substitui-la e a Freud ocorreu a ideia de colocar em seu lugar o método da ‘associação livre’.” (Freud, 1924 [1923]). Ou seja, Freud fala de técnica (uma outra “técnica”) e, em seu lugar, propõe “o método da associação livre”.
Acresçam-se as importantes críticas feitas ao associacionismo por Jacques Lacan (Lacan, 1936) e, entre nós, por Isaías Melsohn (Melsohn, 1973, 1978 e 1991).
Um fator importante para agravar a situação da imprecisão foi, sem dúvida, a compreensão distorcida da recomendação de nos afastarmos da teoria para melhor apreensão dos nossos pacientes2.
O viés da metodologia científica é o viés comum a toda ciência e nos aponta, agora, o caminho para a sistematização do conceito de método psicanalítico. Este viés propõe uma pergunta que deve ser respondida: se a psicanálise é uma disciplina científica, qual é seu método e qual é seu objeto? Acompanho Heinz Hartmann (Harrtman, 1958): “A característica que distingue uma investigação psicanalítica não é o tema sobre o qual se debruça, mas a metodologia científica e a estrutura dos conceitos que usa.”
Como vimos, no momento, a metodologia científica já tem como seu que o objeto de cada ciência é ditado pelo método de pesquisa, o objeto de cada ciência é aquele estudado com o método da ciência em questão. Aplicamos o método de uma ciência e seu objeto surge aos nossos olhos. Dito de outra forma, diante dos conhecimentos atuais, o objeto de uma ciência é todo objeto criado pela aplicação do método da ciência com o qual nos proponhamos estudá-lo.
Não confundamos com o objeto artificial criado pela aplicação direta das teorias ao paciente. Se aplicarmos as teorias kleinianas ao nosso paciente, surgirão, sem dúvida, o paciente da posição esquizoparanóide, o da posição depressiva, o da culpa depressiva, etc. Se aplicarmos, por outro lado, o corpo de teorias lacanianas, surgirá, sem dúvida, o sujeito descentrado, ou seja o sujeito cujo pensar se dá em instância alheia ao conteúdo do pensar consciente. E assim, com os conceitos de Winnicott de um si mesmo falso e um verdadeiro; os de Kohut e o ego autônomo, enfim, surgirá sempre o paciente criado (Herrmann, 1991) pela aplicação do método dentro da camisa de força de qualquer teoria.
Qualquer objeto que tomarmos para estudo será objeto da física se for estudado com a aplicação do método da física, se esse lhe for aplicável. Se tomamos seu peso, suas dimensões, usando um dos sistemas de medida consagrados pela física (CGS, MKS), se calculamos seu centro de gravidade, sua elasticidade, seu calor específico, etc., ele será um objeto da física e ele, criado pela física, passará a chamar-se, agora, corpo. Se, por outro lado, fazemos com que entre em contato com outro objeto para observar que reações ocorrem entre eles e que nova combinação de elementos estas reações terão gerado, estaremos examinando-o com o método da química e ele, criado pela química, passará a chamar-se, agora, substância, ou, se preferirmos, receberá, na pia batismal, o nome de substância, filha legítima da química.
Assim com a psicanálise.
Será objeto da psicanálise aquele objeto que for estudado com o método da psicanálise se esse método lhe for aplicável. Ou, sendo mais preciso, será objeto da psicanálise aquele objeto criado pela aplicação do seu método e por meio dele estudado.

1 - Em todas as citações, os grifos são meus.
2 - Recorde-se que esta recomendação foi extraída de uma observação de Freud: “Tal aplicação da hipótese também poderia trazer consigo um retorno proveitoso da cinzenta teoria para o verde perpétuo da experiência.” (Freud, 1924 [1923]). Freud parafraseia o Fausto de Goethe (Goethe, 1832). Foi uma escolha infeliz de Freud, pois a frase parafraseada:
“Cinzenta, caro amigo, é toda teoria,
Verdejante e dourada é a árvore da Vida!”
é dita por Mefistófeles depois de pensar:
“Já cansei de falar austero e com bom siso,
Vou passar a expressar-me, agora, qual demônio.”
Segue-se longa explanação sobre a medicina e a ciência, uma intervenção de Fausto e, a seguir, a frase de Mefistófeles falando, portanto, como demônio, sem dúvida, um mau conselheiro.

icon O Método Psicanalítico por Mário Lúcio Alves Baptista (109 KB)

Referências

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________ (1914). O Moisés de Michelangelo. Edição Standard Brasileira, v. 13.
________ (1915) O inconsciente. Edição Standard Brasileira, v. 12.
________ (1923 [1922]). Dois verbetes de enciclopédia - (A) Psicanálise. Edição Standard Brasileira, v. 18.
________ (1924 [1923]). Neurose e psicose. Edição Standard Brasileira, v. 18.
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Os Testes Psicológicos e as suas Práticas | Psicologia

Os Testes Psicológicos e as suas Práticas | Psicologia

CONSIDERAÇÕES SOBRE O PSICODIAGNÓSTICO

CONSIDERAÇÕES SOBRE O PSICODIAGNÓSTICO

NA CLÍNICA

O diagnóstico é possível através das entrevistas diagnósticas. A palavra entrevista deriva do francês entrevue, que provém do latim videre, que significa ver. O dicionário da Real Academia Espanhola define como vista, concorrência e conferência de duas ou mais pessoas em um lugar determinado, para tratar de resolver um negócio. A palavra diagnóstico origina-se do grego diagnõstikós e significa discernimento, faculdade de conhecer, de ver através de.

Existem quatro tipos de entrevista:

- Fechada: O entrevistador não pode alterar as perguntas e a ordem como é apresentada ao entrevistado;

- Aberta: O entrevistador improvisa, dirige e intervém segundo as necessidades;

- Semi-dirigida: É a mistura das duas primeiras, onde o entrevistador dispõe de uma certa liberdade no interrogatório, mas tem que cumprir outras normas;

- Livre: Interroga-se deixando que o entrevistado nos informe livremente, sem nossa intervenção, a não ser para dar-lhe a norma técnica inicial.

Toda análise e previsão da conduta humana envolve uma atribuição do significado aos fatos comportamentais. É preciso categorizá-los em termos de determinados conceitos, que traduzem nexos subjacentes. Há uma cisão entre o que se descreve em linguagem científica e o que se observa experimentalmente.

A atribuição da significação ao sujeito constitui um retorno a problemas que haviam permanecido circunscritos. O significado por nós atribuído a cada ato e momento de nossa existência é mais importante para entender nossas decisões, cognições, emoções, nossas atividades psíquicas do que a mera força de hábitos estereotipadamente adquiridos.

O comportamento, não sendo amorfo, mas dotado de sentido próprio, não pode mais ser tratado como qualquer outra “matéria” do conhecimento, sujeita à nossa intuição. É preciso fundamentar-se na inteligência da significação do comportamento.

A afirmação de Piaget “Não se sabe a priori se as estruturas pertencem ao homem, à natureza ou aos dois” aplica-se ao fenômeno físico em relação ao qual não sabemos até que ponto a natureza da causalidade vincula-se aos processos dedutivos decorrentes das estruturas lógico-matemáticas que introduzimos em sua descrição. Essa dúvida dissipa-se na Biologia, onde o dado observável não depende da percepção dos fatos, mas da ação dirigida por outro ser vivo. Essa ação passa a ser o núcleo da observação em Psicologia.

Diagnóstico e prognóstico colhem o papel estruturador do comportamento próprio de cada nível e de cada linguagem, captando a riqueza informacional que suscita em torno do sujeito e permite compreender as bases de sua conduta.

A enfermidade do indivíduo desenvolveu-se em um ambiente familiar determinado. Assim, deve-se conhecer as reações do paciente ante sua enfermidade e suas implicações na dinâmica da família como fonte de informação valiosa, tanto para o diagnóstico psicológico como para o tratamento. Entre as reações está o sentimento de culpa, principalmente quando se trata de perturbações emocionais.

A aceitação, a negação ou o rechaço da enfermidade da pessoa por parte de seu ambiente, em grande parte, estão mobilizados pelos sentimentos de culpa das pessoas de seu núcleo familiar.

Quando o paciente é uma criança, geralmente os sentimentos de culpa dos pais estão na superfície da consciência. Nos adultos, costuma-se ocorrer o mesmo de forma mascarada.

Na Psicanálise, a relação psicólogo-paciente enfatiza que o paciente transfere ao psicólogo conteúdos inconscientes de sua vida mental infantil e o psicólogo é mobilizado em suas fantasias e angústias primitivas. As transferências e contratransferências são utilizadas em prol da compreensão diagnóstica.

As atividades clínicas do profissional devem ser empreendidas com o mínimo de interferência de suas teorias sobre sua capacidade de observar e captar os fatos relevantes.

O diagnóstico deve delimitar graus de integração da personalidade, diferenciando neuróticos, psicóticos e pervertidos.

A descrição de características de como o indivíduo se vincula e suas defesas e ansiedades predominantes deve permitir referir o caso individual aos quadros nosográficos ou às estruturas de personalidade subjacentes.

Formulam-se indicadores que permitem determinar a incidência da história de vida no estado atual da personalidade, integrando os comportamentos do sujeito, suas queixas, sintomas com o material oriundo das técnicas projetivas.

O diagnóstico, segundo o modelo médico, é estabelecido em quadros classificatórios das doenças mentais, precisos e exclusivos, organizando síndromes sintomáticas com características específicas. Testes são elaborados para determinar os processos psíquicos subjacentes e tendências patológicas.

Segundo o modelo psicométrico, características genéricas do comportamento humano de ordem genética e constitucional são consideradas imutáveis e identificadas em testes para classificá-las e medi-las.

Já o modelo behaviorista considera o comportamento observável como o único objeto possível se ser estudado pela psicologia.

O maior desenvolvimento dos modelos de psicodiagnóstico deu-se em consultórios privados com clientela socialmente privilegiada.

Os princípios teóricos básicos do diagnóstico psicológico são:

-Processos intrapsíquicos: O paciente faz uso de identificações projetivas patológicas, sentindo que aloja objetos fragmentados dentro de um outro indivíduo, assim como partes de outro indivíduo são sentidas como alojadas dentro da personalidade do paciente.

-Processos de desenvolvimento e maturação: As observações a respeito das diversas etapas da vida são preciosas para diferenciação entre normal e patológico e para construção de teorias, instrumentos de medida e julgamento clínico.

-Processos de dinâmica familiar: O estudo enfatiza a relação precoce entre mãe e bebê, internalização, pela criança, dos pais e as forças externas que operam para criação e desencadeamento de distúrbios.

O informe psicológico deve conter:

-Dados de identificação, para ter uma visão imediata da inserção do indivíduo em seu mundo microssocial;

-Motivos da consulta, contendo as queixas do paciente e familiares;

-Os recursos utilizados, contendo obervações, técnicas e testes;

-Histórico de vida, resumindo os aspectos relevantes para conhecer seu processo evolutivo e estado em que se encontra no presente;

-Dados sobre o grupo familiar;

-Síntese diagnóstica, o que o psicólogo pôde perceber e integrar no contexto como sendo sua compreensão globalizadora do paciente;

-Prognóstico, apontando os recursos emocionais do paciente e do grupo familiar para lidar com as perturbações e suportar os atendimentos requeridos;

-Encaminhamento, contendo informações expressas de modo breve, relacionando-as às entrevistas devolutivas.

O psicodiagnóstico possibilita uma avaliação global da personalidade do paciente, determinação da natureza, intensidade e relevância dos distúrbios, fornecimento de subsídios a demais profissionais, definição do tipo de intervenção terapêutica, prognóstico da evolução terapêutica e pesquisa psicológica.

Assim, as funções do diagnóstico psicológico são de orientação e seleção de problemas de ajustamento, direção de serviços de psicologia, ensino e supervisão profissional, assessoria e perícias sobre assuntos de psicologia.

Entrevista com Neila Fernandes Bruzaferro:


1- Qual o objetivo do Diagnóstico Psicológico?

Conhecimento do indivíduo através da percepção dos dispositivos pelos quais ele interage com seu mundo interno e com o mundo externo. O uso do seu potencial, mecanismos de defesa, estrutura e dinâmica de sua personalidade.

2- Quais as etapas e os recursos utilizados?


- Entrevista inicial com a família ou o sujeito;
- Testes de acordo com a demanda;
- Devolução e orientação cabíveis.

3- Quais os resultados obtidos?


Traçar um prognóstico de vida, aguardar situações de crise, programar um processo de adaptação com o meio, traçar uma perspectiva de um processo terapêutico, reeducação de capacidades inibidas ou prejudicadas.

4- Qual sua visão crítica ao seu trabalho e ao Diagnóstico Psicológico em geral?


Demorado e dispendioso, é necessário muito estudo, com a prática pode-se abrir mão de determinados instrumentos, porque a visão clínica já embasa suficientemente para o programa de orientação.

Entrevista com Vanessa Campos Santoro:


1- Qual o objetivo do Diagnóstico Psicológico?
Determinar a estrutura clínica subjacente do sujeito que está sendo testado. Estrutura clínica é o modo particular de funcionamento psíquico de cada pessoa e que vai depender da maneira como cada pessoa vivenciou seu Complexo de Édipo, e consequentemente a Lei. A estrutura clínica nos fornecerá as táticas e estragégias na direção do tratamento.

2- Quais as etapas e os recursos utilizados?

Fazer uma distinção entre o Psicodiagnóstico infantil e o de adulto. No adulto, a ênfase é dada nas entrevistas preliminares, onde, via linguagem, e na transferência, tenta-se determinar qual a estrutura psíquica do sujeito: neurose, psicose ou perversão. Em caso de dúvidas, pode-se recorrer ao psicodiagnóstico do Rorschach ou ao T.A.T., preferencialmente aplicados por outra pessoa. No caso da criança, os testes psicológicos fazem parte do processo de diagnóstico, pois é mais difícil de se determinar a estrutura psíquica que está se formando. Inicialmente, entrevista com os pais para elucidar o lugar que a criança ocupa nas fantasias do casal, como eles lidam com o sintoma da criança e se esse sintoma tampona alguma verdade não dita nessa família. Segundo, hora de jogo diagnóstico, onde se observa a maneira como a criança se expressa através dos brinquedos. Terceiro, os testes psicográficos: H.P.T., família, desenho livre, Machover e Bender. Quarto, psicodiagnóstico de Rorschach. Quinto, C.A.T. Sexto, entrevista de devolução diagnóstica com os pais, normalmente em duas sessões. Sétimo, entrevista com a criança para situá-la a respeito do seu tratamento.

3- Quais os resultados obtidos?

Verificar as condições de analisabilidade do paciente, isto é, sua capacidade de simbolização e sua capacidade de transferência.

4- Qual sua visão crítica ao seu trabalho e ao Dagnóstico Psicológico em geral?

Um saber a priori sobre o paciente ao mesmo tempo que auxilia na determinação da conduta clínica a seguir comporta questões éticas complexas, pois a escuta analítica deve ser preferencialmente isenta de pré-conceitos. Corre-se o risco de se privilegiar, a partir do diagnóstico, os sintomas, quando se sabe que as verdades são sempre semi-ditas. O cuidado com o rótulo é outro ponto. Mas ao mesmo tempo é necessário clarear o terreno onde se está pisando.

Entrevista com Suzana Alamy Reis:


1- Qual o objetivo do Diagnóstico Psicológico?

Detectar problemas psíquicos que possam estar interferindo na sua conduta dentro do hospital, interferindo no “bom funcionamento” da dinâmica da enfermaria e no seu próprio tratamento médico. Possibilitar um diagnóstico diferencial e um estudo da personalidade do paciente para a escolha do tratamento psicológico adequado.

2- Quais as etapas e os recursos utilizados?

Acredito que a anamnese diagnóstica é o recurso mais importante, sendo que os testes projetivos são complementares a esta. No caso da Neuropsicologia, são utilizados também os testes cognitivos para verificação das funções superiores que possam estar comprometidas em função de lesões neurológicas.

3- Quais os resultados obtidos?

Uma impressão diagnóstica, importante para nos ajudar a programar a assistência psicológica a ser dada ao paciente, ajudando-nos a nos conduzir para melhores resultados.

4- Qual sua visão crítica ao seu trabalho e ao Diagnóstico Psicológico em geral?

O diagnóstico psicológico é a meu ver um instrumento de grande valia nos atendimentos, apontando para resultados mais eficazes. Sem o mesmo, torna-se muito complicado saber qual o procedimento adequado.

Entrevista com Sônia Eustáquio:


1- Qual o objetivo do Diagnóstico Psicológico?

Levantar todos os dados que correspondem à estrutura psicológica do sujeito, localizando aí a sua demanda dentro do processo de desenvolvimento dele e, com isso, ter dados suficientes para se estabelecer um diagnóstico diferencial.

2- Quais as etapas e os recursos utilizados?

Diagnóstico Infantil:

- Entrevista com pais ou família (anamnese);
- Aplicação de testes quando a criança tem idade para desenvolvê-los ou observação do comportamento lúdico;
- Devolução com uma hipótese diagnóstica pronta, previsão de prognóstico e estratégias terapêuticas. Na ocasião é colocado o contrato terapêutico e pode se iniciar a orientação familiar.

Diagnóstico de Adultos:

- Entrevista livre;
- Entrevista dirigida (questionários);
- Testes, se necessário – bateria selecionada de acordo com cada demanda;
- Devolução – Hipótese diagnóstica – Prognóstico – Estratégia terapêutica ou programa terapêutico – Contrato.

3- Quais os resultados obtidos?

O principal resultado é o fornecimento de dados classificatórios ou de diagnóstico que possibilitam o terapeuta propor uma estratégia ou conduta na devolução, que podem ser: apenas um laudo ou relatório, um aconselhamento emergencial (1 ou 2 sessões), propostas terapêuticas variadas.

4- Qual sua visão crítica ao seu trabalho e ao Diagnóstico Psicológico em geral?

Eu trabalho com diagnóstico em todos os casos que atendo. Hoje tenho um esquema próprio de avaliação de todo o desenvolvimento sexual infantil e adolescente indo até a fase atual do paciente. Com este desenvolvimento passo a pesquisar as possíveis causas dos sintomas apresentados em alguma etapa pesquisada. Oriento-me pelas teorias de desenvolvimento sexual infantil da Psicanálise. Considero o diagnóstico de suma importância. Ele é que vai nos orientar no trabalho a ser desenvolvido. Impossível trabalhar sem ele. Considero importante a sistematização de teorias psicológicas de várias linhas de pensamento, o que nos falta de outras linhas psicológicas, é justamente o que encontramos com fartura na psicanálise. Utilizo Psicanálise para diagnóstico (Freud, Melanie klein), Milton Erickson para tratar (hipnose), e conhecimentos sobre o emprego de medicamentos, diagnósticos e procedimentos de tratamento.

CONCLUSÃO

Após pesquisa em livros sobre Diagnóstico Psicológico em clínicas e entrevistas a quatro profissionais, ctemos uma noção das diversas opiniões a respeito do assunto. Apesar de todos considerarem seu uso importante no tratamento terapêutico, alguns encontram pontos negativos na realização do mesmo, pois consideram o diagnóstico uma rrotulação que pode se restringir aos limites do paciente, sendo que o psicólogo deve levantar hipóteses e acreditar enas possibilidades de mudanças. O Diagnóstico Psicológico é feito em uma situação particular, e o significado de ccada situação é diferente para cada indivíduo.

A validade e importância do Diagnóstico Psicológico vai depender da postura do profissional em relação ao mmesmo e, sendo séria e responsável, possibilitará melhores resultados em sua prática.

Todos os psicólogos consideram o Diagnóstico Psicológico importante e de valor relevante na busca de uma oorientação para um tratamento eficaz e que objetive o bem-estar do paciente. No entanto, seu uso deve ser feito com ccautela para não se correr o risco de tratar o indivíduo pelo nome(rótulo) de seu problema psíquico, ao invés de ttratá-lo pela pessoa que é, com características individuais próprias e uma história de vida única.

Assim, o psicólogo deve escutar o paciente sem pré-conceitos, sem o rótulo do diagnóstico fixo em sua mente, para poder trabalhar suas possibilidades e não correr o risco de enfatizar seus sintomas, limitando-o. Para tal, deverá utilizar o diagnóstico apenas para direcionar o tratamento e saber quais as estratégias mais adequadas a serem usadas.

Importante também é que o processo diagnóstico é contínuo, e deve estar sempre aberto a modificações no decorrer do tratamento, pois o indivíduo está sempre se transformando e gerando transformações no meio que convive.


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Tania Montandon
site: Fragmentário de In§pirações - http://taniart.webs.com/
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terça-feira, 23 de outubro de 2012

A Entrevista com os Pais na Clínica Psicanalítica da Criança

 

A entrevista com os pais representam um lugar crucial para a análise com crianças, pois o que está em jogo é o bom andamento do caso e, para tanto, a transferência dos pais, tanto quanto da criança, é de fundamental importância. É imprescindível escutar os pais na medida em que eles estão implicados nos sintomas do filho, o que não significa fazer o tratamento psicanalítico deles, mas ajudá-los a se situarem em relação à sua própria história.
Se nos orientarmos pelos pensamentos de Anna Freud, que enfatiza a situação externa e a realidade precisamos ter entrevistas com os pais para colher informações e, se necessário, orientá-los na educação do filho, ou seja, interferindo na realidade da vida em comum. Se nos basearmos pelos pressupostos de Melanie Klein, que confere uma importância quase que exclusiva aos processos internos, ao tratarmos a criança pela Psicanálise devemos se necessário, encaminhar os pais a outro analista para entrevistas de orientação (PRISZKULNIK, 1995).
As entrevistas de orientação de pais colocam o analista também como educador e é impossível analisar e educar ao mesmo tempo; neste sentido, Melanie Klein tem razão em não receber os pais e encaminhá-los a outro analista Mas as entrevistas não precisam ser de orientação, podem ter o objetivo de ajudar os pais a se re-situarem diante das dificuldades do filho e da própria vida (PRISZKULNIK, 1995).


Fonte: http://artigos.psicologado.com/abordagens/psicanalise/uma-revisao-sobre-a-psicanalise-infantil#ixzz2AA334KsB
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Uma Revisão Sobre a Psicanálise Infantil - Psicanálise - Abordagens - Psicologado Artigos

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O Brincar na clínica psicanalítica

O Édipo e as estruturas clínicas (no Seminário 5 de Lacan)

 Dulce Campos
Apresentado no Simpósio de Brasília/DF - 2002
Numa perspectiva diferente das demais ciências humanas, a psicanálise constituiu-se a partir da percepção de que se fazia necessária a existência de uma Lei capaz de disciplinar as pulsões humanas que punham em risco a vida social. Freud observou que esta Lei, inscrita numa anterioridade simbólica, era mediada pela linguagem: no princípio era o Verbo e o Verbo era Deus... concomitantemente inserida numa operatória: no princípio era a ação, fazendo da palavra, ato.

Retomando as teorias do édipo freudiano e o mito do pai da horda, Lacan incorporou a dialética desejo-lei à metáfora paterna. Critica Freud por sugerir um Édipo responsável pela invasão do materno e do pulsional na constituição do sujeito. Aponta para o complexo parental, propondo a substituição das teorias dos mitos por uma teoria de base antropológica apoiada em Lévi Strauss. Considera o Nome-do-Pai suporte da função simbólica que, desde a aurora dos tempos históricos, identifica sua pessoa à figura da lei. (Escritos, 278-279) 4. (Kauf., 141) 3.

A distinção simbólico, imaginário e real serviu de base às suas reflexões para situar diferenças funcionais, variáveis intervenientes da triangulação: mãe-falo-criança; mãe-filho-pai. O genital, irrepresentável no inconsciente, deixou de ser referência na distinção entre os sexos. Surge no seu lugar a função fálica unificando o objeto do desejo - o falo - nos homens e nas mulheres. O falo permanece velado até o final dos séculos pela simples razão de que ele é um significante último na relação do significante com o significado ( Sem.5, 249)5. Lacan reconhece que o órgão sexual masculino desempenha importantíssimo papel, como representante do objeto de desejo. (Sem.5,p.205)5. Para os seres humanos haveria duas alternativas: ser possuidor do falo ou ser castrado. Em torno desta realidade, a dialética manifesta-se no sujeito:
ser - não ser o falo; ter - não ter o falo.
O falo, objeto do desejo, elemento de universalização do Édipo desde Freud, mobiliza a criança no sentido de que ela se torne sujeito do próprio desejo.Lacan contesta a concepção do relacionamento criança-mãe como relação de objeto, dual, de uma ligação real. No momento em que essa relação parece se concretizar surge um terceiro imaginário, o falo, representado pelo pênis ( órgão erétil que simboliza o lugar do gozo, não enquanto ele mesmo, nem sequer como imagem, mas enquanto parte faltosa na imagem desejada ( Kauf. 195) . É também reconhecido por Freud como central na economia libidinal: se a criança é real e a mãe simbólica, existe entre elas o falo que suscita na mãe a inveja do pênis. Nos momentos de carência a criança simboliza a mãe como pura potência de dom que tudo lhe pode doar conforme sua vontade e que por isso, a ela, a criança se sujeita. Sobre o fundo da presença-ausência a criança a simboliza no brinquedo do fort-dá.Experimenta a ambivalência: em relação à mãe como presença de que quer se livrar (fort); como ausência que a impulsiona a chamá-la para perto de si (dá). Os vocábulos – fort - dá - ainda mal articulados marcam a entrada da criança no mundo da simbolização. Modelo do amor materno,a mãe promete o que não tem. Criança e mãe constituem uma primeira realidade: a criança surge como aquela que busca o desejo do desejo materno.Não se trata de desejar a mãe, mas desejar o seu desejo, dando lugar a uma identificação primitiva com o falo desejado pela mãe. Frustrada pela mãe quanto ao objeto imaginário e privada do objeto real, a criança caminha na dialética da demanda e do desejo sem conseguir encontrar o que pode lhe saciar e, constatando que tal objeto se encontra num aquém ou num além da mãe como desejo impossível. Nesta realidade da mãe que decepciona, o pai está presente de maneira velada, pré-existente no simbólico da triangulação.(Sem.5,208)5.( Kauf. 334) 3. Somente vai se tornar sensível e concreto à criança ao exercer a função privadora, quebrando a relação simbiótica entre mãe e filho. Age como normatizador, tornando-se necessidade da cadeia significante.Pode ser levada a perceber que a mãe também deseja alguma coisa além dela e que só poderá conseguí-la através do pai. A criança terá que renunciar ao falo para tê-lo de um outro que lho poderá dar. O triângulo mãe-desejo-criança na equação desejo do desejo da mãe enfatizada por Lacan, já supõe uma tripartição implícita (Sem.5, 210) 5. E como este desejo é o falo, surge o desafio para o filho que, num dado momento deseja sê-lo para a mãe e, noutro momento, deseja tê-lo. O pai doador só existirá por uma construção mítica, por trás da mãe simbólica. Trata-se sempre, não de uma construção no real, mas no discurso concreto como metáfora. Enquanto simbólico, o Pai não é controlável, deixou no discurso o vestígio do Nome-do-Pai e só se efetiva numa metáfora quando aí se põe literalmente no lugar do desejo da mãe. Ocupando o lugar deste Outro materno, a presença do Pai simbólico onde esteve o desejo materno, vai se revelando mais e mais: não é o pai biológico; não é o que ama a mãe acima de tudo; não é porque ele desempenha tais funções concretas atribuídas pela cultura. Trata-se de Um-pai que a mãe funda nesta posição de Lei, de palavra final, de privador da relação fusionada com o filho.
Nos capítulos do Seminário 5 - Três Tempos do Édipo, Lacan convida à reflexão que permite correlacioná-los com as estruturas clínicas: psicose, neurose e perversão.
A posição do psicótico é narcísica, não entra no que se convencionou chamar relação de objeto. O objeto que com ele se funde e se confunde permanece sendo a mãe, e ele o seu falo.
Na falha radical do Nome-do-Pai, a criança encontra-se colada à mãe e ao desejo dela, este Outro primordial e exclusivo, sem possibilidade de passagem para um Outro- o Pai. Na triangulação criança-desejo (falo)-mãe, a criança permanece aderida ao real, sem abertura para o Nome-do-Pai, o significante–mestre na constituição da cadeia. Não ocorre a metáfora paterna que assim se deveria constituir: a Lei do pai deve ficar no lugar do significante: desejo da mãe. Para isso a mãe precisa funcionar como a que funda, pela palavra, o lugar de um Outro equivalente à Lei. Somente assim, trazido pela palavra da mãe, o Pai ocupará este lugar, separando a estrutura psicótica da neurose. É preciso que o pai real, não forçosamente o pai do sujeito, mas Um-pai, seja chamado a este lugar e assim reconhecido pela mãe. E que se situe numa posição terceira, tendo por base o par a - a’, isto é, eu - objeto ou ideal-realidade, dizendo respeito ao sujeito no campo de agressão erotizada em que vive e que, ocupando o lugar do Outro como significante, aja como representante da Lei.(Escritos 563-584) 4.
Já o perverso elege o falo como existindo no corpo da mãe, assim sucede no objeto fetiche.Ele coloca-se acima dalei. Permanece em nívem de gozo e não ascende ao desejo. Seu mecanismo é o da recusa. Em nível de estrutura, os perversos são com siderados eticamente mau caráter e delinqüentes. Isentos de culpa denunciam as distorções do Ideal do eu e as ressonâncias do eu ideal.
A questão do neurótico é diferente: refere-se ao Outro, o Pai, como aquele que substitui o Outro-mãe e está para além dela e dele próprio. Ele não é Lei, a representa, na relação código-mensagem. Trata-se do sujeito barrado, submetido ao Outro, fala através dos sintomas que se diversificam, em direção do desejo próprio.
É a partir do segundo tempo que podemos falar precisamente do Édipo com a entrada do pai na relação mãe-criança. O Édipo do consenso, o que insere mãe e criança na lei da cultura, presença do “Não” do pai na relação aparentemente dual. A função privadora de pai surge na realidade abruptamente. Lacan comenta que a maioria dos tratamentos termina ai. Na posição de ser o falo da mãe, Hans defrontra-se com a chegada da irmãzinha, e o real desloca-se do imaginário. Contudo, como o significante já se encontra-se lá, no simbólico, ele cria a fobia do cavalo, fazendo suplência do Nome-do-Pai, permitindo-se viver a angústia como metáfora. Se não castrado pelo pai, torna-se castrado como o pai, ponto que determinou o desdobramento de suas escolhas amorosas posteriores (Kauf.,336) 3. Através do sonho em que um encanador onipotente era por ele convocado para substituir o pai tentou livrar-se da fantasia de assujeitamento (Sem. 5, 196,200)5, partindo para a construção do seu próprio modelo.
É sobre a mãe que a ação privadora paterna se faz e sobre o filho, a ação castradora. Por esse caminho a criança escapa da verwerfung (foraclusão do Nome-do-Pai, primeiro tempo do Édipo), sofre o corte ( verdrägung - recalcamento do desejo - segundo tempo do Édipo, passa do imaginário ao simbólico. O falo, simulacro dos antigos, é empreendido por Lacan numa dupla linhagem: primeiro, em sua especificidade de significante ambíguo; depois, como representante da carência de gozo característica do sujeito em sua relação com o real (Kauf.,194) 3. Segundo a lei do simbólico não nos constituímos como homem ou como mulher, senão pelo recalcamento e mesmo pelo repúdio do feminino-materno concebido como a marca da animalidade: por ser o real de mediação impossível (Kauf.,142) 3.No discurso o sintoma fala, denunciando os deslocamentos e as substituições em decorrência do recalcamento do desejo inscrito no inconsciente.
Ao entrar no terceiro tempo a criança se defronta com um momento novo, privilegiado. Além de privador, o pai surge como aquele que promete à criança o que ela deseja. Promete porque o tem para doar - modelo do amor paterno.( Sem. 5, 201) 5. A promessa do pai até então privador, torna este momento fecundo e encoraja a criança a postergar a realização do desejo até poder usar o objeto gratificante sem se sentir somente esmagada pelas interdições. Pode viver esse momento como uma espécie de latência que lhe possibilita, enquanto espera, utilizar sua energia em produções artísticas e literárias.(Sem.5,) 5.Dizia uma criança a Freud: meu pai é galo; agora eu sou um frango, quando for maior ficarei galo:...( O. C.XIII, 169) 1 A um analisante eu dizia: hoje você é pinto, mas vai ser galo... como seu pai...: crescer, ter mulher e filhos....
Fruto da identificação ao pai surge o Ideal do eu. No triângulo simbólico, a criança se inscreve: no polo materno começa a se constituir como tudo o que será realidade; no polo paterno, tudo o que será supereu.Daí constrói o eu ideal voltando o amor para si mesmo como na infância gozava o eu real. No caso do homem, ele se torna viril, na medida em que se constitui mais ou menos a própria metáfora, quando se faz um pai em potencial ( Kauf., 337) 3 . A mulher, não tendo que se identificar à virilidade, caminha em direção ao falo, sabendo onde ele está, aonde irá buscá-lo, indo em direção àquele que o tem. Na feminilidade há sempre algo de extraviado. Na dialética significante –significado é necessário que alguma coisa da relação natural seja amputada a fim de que se torne o próprio elemento significante da demanda. (Sem. 5, 200, 201,202,296) 5.
Lacan inclui a homossexualidade (Sem. 5, 219) 5 no contexto das neuroses como um problema de identificação, falha da metáfora paterna, surgida no segundo tempo e aparecendo no terceiro em nível de Ideal de eu, podendo ser atribuída a por vários fatores: excesso de autoridade do pai com a conseqüente desvalorização da mulher, o que induz implicitamente o filho a procurar os portadores de pênis (falo) como pares sexuais, os sujeitos valiosos; o pai que, por amar excessivamente a esposa, a ela se submete, e termina por lhe conferir o poder; a mãe excessivamente zelosa do filho,termina por castrá-lo, supervalorizando-se como mulher e conduzindo-o a uma identificação do tipo especular. Questões:
- O homossexual teria alcançado o terceiro tempo do Édipo, mesmo tendo começado a falhar no segundo, porquanto se trataria apenas de uma inversão na escolha do objeto sexual?
Lacan afirma que a homossexualidade é curável a despeito do que se diga em contrário. Tratar-se-ia de um processo de cura semelhante ao das diferentes neuroses, como sintoma?
-Na minha experiência clínica, nunca me foi demandada a cura deste sintoma. São outras incorrências do tipo das que se encontram nas neuroses de modo geral que os traz ou os mantém em tratamento.
Lacan aborda a perversão nos capítulos do Édipo, levando-nos a questões:
- Estaria enquadrada na neurose como sintoma, ou seria uma estrutura a parte?
- Teria o sujeito perverso chegado à metáfora paterna e depois a recusado? Em que tempo do Édipo o sujeito se subverteria à Lei, ou seja, a
recusaria?
Mais adiante ilustra a perversão estrutural (?) citando André Gide que teria se fixado a um momento de sedução por ele vivido, precocemente, sem mediação, com a tia materna. E que nele parece ter tido efeito de trauma. Mais tarde só se pôde constituir no relacionamento humano através de cartas literárias, ocupando o lugar de Madeleine, sua prima, a quem desposou. Era a filha da tia que tentara seduzí-lo. Ele só conseguiu existir através da prima com quem se identificou como criança desejada pela mãe. Expressava seu amor à esposa pelas cartas. Assim preenchia o vazio do amor sem desejo, desviando-o para a escrita e elegendo-a objeto de amor supremo.Por identificação fez dela Ideal de eu, centrando-se nele próprio, fixando-se eternamente apaixonado pela criança acariciada que desejou ser. Já na viagem de núpcias, junto à esposa, seus pensamentos se dirigiam para os rapazinhos que encontrava no trem. Essa sua atração em nível de desejos, não o enquadraria, por certo, como pedofílico.Em torno da esposa, Gide gira numa dependência mortal, vive uma forma de amor embalsamado, coisificado O fato de não ter sido criança desejada pela mãe e da condição coisificada que assumiu no relacionamento foram as hipóteses de Lacan que o teriam marcado, na origem: a falta de uma afetividade própria, a presença de uma afetividade esvaziada.
Não vejo como essas dificuldades de Gide possam o enquadrar no âmbito da perversão como estrutura, uma vez que ele não apresentou o caráter anti- ético, delinqüente ou imoral. Como observa Lacan tratava-se de um risco de todas as paixões que alienam o desejo num objeto (Sem., 270, 271) 5. Seus devaneios eróticos giravam em torno da criança que teria sido ele mesmo, apaixonado até o final da vida por aquele menininho, acariciado e desejado pela tia –mãe. Sua recusa ao amor incestuoso da tia, amor sedutor e sem mediação, teria sido a marca de perversão a ele atribuída? Ou, pelo contrário, revelaria sua adequação à lei contra o incesto, muito mais condizente com o sintoma numa estrutura neurótica? Não uma recusa, no quadro das estruturas clínicas, mas um sintoma, quem sabe, da ordem da inibição, da fobia... que ele estaria procurando manejar pela escrita literária. Seu desespero ao perder as cartas, parece apontar para uma neurose, perversão.
Ao colocar a perversão nos capítulos do Édipo, no âmbito das neuroses, admitimos que algo se constituiria no contexto da dialética ter - não ter o falo, isento da patologia. A perversão de que Freud fala em 1905 figura como estruturante na constituição do sujeito infantil por ele denominando perversão polimorfa, não a enquadrando como patologia (Kauf., 415 a 423) 3. (Sem. 5, 268) 5 (Freud, Três Ensaios)1. No capítulo sobre o desejo e o gozo deste Seminário 5, Lacan explicitará a perversão como estrutura.
Quando pensamos em cura do Édipo não entendemos que isto se refira à sua dissolução ou superação. Suas marcas expressam a caminhada do sujeito, o modo como viveu a triangulação. Em Édipo nunca se apagaram as cicatrizes nos pés amarrados para o livrar da predição dos oráculos. As seqüelas do neurótico permanecem sob as máscaras dos sintomas.

O Conceito de Angústia em Lacan

As formulações apresentadas por Lacan no seminário de 1962-63 (Seminário X) a propósito da concepção de angústia apresentam algumas diferenças em relação à teoria freudiana da angústia. Não são apenas retomadas das teses freudianas, mas formulações novas que, de qualquer modo, têm as elaborações freudianas como referência. Ainda que Lacan afirme que em "Inibição, Sintoma e Angústia"(Freud,1926) fala-se de tudo, exceto da angústia, é às questões levantadas por Freud neste texto que ele se refere privilegiadamente na sua discussão, questionando algumas formulações e procurando apresentar caminhos para a resolução de determinados impasses.
Em primeiro lugar, para Lacan a angústia é um afeto. Esta afirmação é importante no contexto de uma crítica ao ensino lacaniano por apresentar um excesso de intelectualismo, crítica feita por aqueles que consideravam que a psicanálise deveria tratar do afetivo, a partir de uma distinção psicológica entre o pensar, o sentir e o querer. Não se trata para Lacan, de entrar nessa psicologia dos afetos, na medida em que a angústia não é uma emoção, mas um afeto especial que "tem estreita relação de estrutura com o que é um sujeito" (Lacan, op.cit) Este afeto especial Lacan diz que é da ordem de uma perturbação e não de um sentimento.
Além disso, a angústia é um afeto que interessa sobremodo à experiência psicanalítica, uma vez que, como dirá mais adiante, é um afeto que não engana. Como tal ele serve de orientação para o analista na sua prática, não só pela sua emergência no analisante, mas também no próprio analista. Em todo o seu desenvolvimento sobre a angústia, a prática psicanalítica aparece como uma referência importante, o que não significa dizer que ele deixe de pensar a angústia no nível teórico, no sentido meta-psicológico, articulando-a aos registros do real, do simbólico e do imaginário.
O que há de mais fundamental no que Lacan vai elaborar neste seminário decorre da sua afirmação da existência de uma relação essencial entre a angústia e o desejo do Outro. Ao referir-se ao desejo do Outro, ele traz a dimensão do Outro, como lugar do significante para a definição de angústia. Ao pensar a estrutura da angústia, enfatiza que, ao contrário do que geralmente se pensa, a angústia está enquadrada por esta relação ao campo do significante na sua articulação com o imaginário. Nesse sentido, não se pode ver, em Lacan, uma concepção de angústia totalmente descolada do registro da representação, como falta de representação, puro excesso econômico.
Ele parte da própria definição de sujeito como determinado pelo significante, como constituído pelo traço unário, o significante mais simples, que o precede. Nessa relação ao Outro, o sujeito se inscreve como um quociente, isto é, como um resultado dessa marca significante. Mas há um resto, um resíduo, no sentido mesmo da operação matemática da divisão. Esse resto, esse irracional, esse enigma, é o objeto a, única garantia da alteridade do Outro. A problemática da angústia se vincula ao desejo do Outro justamente enquanto estrutura portadora desse enigma, nesse ponto de falta que faz do Outro o Outro.
Nesse momento de sua formulação Lacan vai articular o simbólico e o imaginário, o significante e a imagem especular, afirmando que a angústia permite refazer esta articulação.
No estádio do espelho há uma relação essencial entre o momento jubilatório em que o bebê assume sua imagem especular e o movimento que faz ao se voltar para o adulto pedindo assentimento. Este pode ser considerado como o indício da ligação inaugural entre o advento da função da imagem especular i(a) e a relação com o grande Outro. A relação especular encontra-se dependente do fato de que o sujeito se constitui no lugar do Outro, pelo significante.
O investimento especular se dá no interior da dialética do narcisismo, a partir da identificação. Por outro lado, esse investimento está também na base do desejo, na medida em que ele supõe essa relação ao Outro. Como diz Comaru: "É nos impasses da relação entre desejo e identificação que a angústia surge sob a forma de uma questão: Che vuoi? Que queres? Que Lacan traduz como: O que queres de mim? Que quer ele em relação a esse lugar do eu? "No momento de da virada entre o investimento no outro (desejo) e a retração narcísica (identificação), a angústia comparece como índice de que nem tudo no campo dos investimentos se desdobra em identificação. Este resto não incorporável no eu, esse resíduo de investimento narcísico, isso que não entra na imagem especular é postulado por Lacan como sendo causa da angústia" (Comaru, 1995).
Esse resto, é um objeto que escapa à imagem especular, cujo estatuto é difícil de articular, diz Lacan - o objeto a. É dele que se trata quando Freud fala da angústia. Nesse sentido, para Lacan, não se pode dizer que a angústia é sem objeto.
É interessante que Lacan introduz a noção de unheimlich para pensar a angústia na sua relação com este objeto. Ele diz: abordei o inconsciente pela via do chiste e vou abordar a angústia pela via do unheimlich, porque é a dobradiça absolutamente indispensável para pensar essa questão.
O que constitui a angústia? É quando um mecanismo fez aparecer alguma coisa, unheimlich, no lugar do a como objeto do desejo, como imagem da falta. Porque o objeto a não é especularizável. Pelo contrário, quanto mais o sujeito tenta dar corpo ao que no objeto do desejo representa a imagem especular, mais ele é logrado. Quando algo surge no lugar da castração imaginária, é isso que provoca angústia, uma vez que a falta falta. É isso que dá o verdadeiro sentido ao que Freud designa como perda de objeto em relação à angústia.
Fenomenologicamente a angústia é o estranho- unheimlichkeit. Examinando o radical da palavra - heim/ unheim - Heim indica a casa do homem e o homem encontra sua casa num ponto situado no Outro, para além da imagem de que somos feitos e este lugar representa a ausência em que estamos. É a presença que faz esse lugar como ausência. A experiência do unheimlich é sempre fugidia. O unheimlich - o horrível, o duvidoso, o inquietante - surge nas frestas, de repente, subitamente. O surgimento do unheimlich-heimlich ( porque um se revira no outro, neste ponto de dobradiça), no sentido radical daquele que não passou pelas redes do reconhecimento, é o fenômeno da angústia.
Esta formulação nos reenvia à experiência primitiva do objeto, ao complexo do próximo que, no Projeto de 1895 Freud articula ao desamparo primordial do sujeito humano, que o inscreve indelevelmente na dialética da relação ao outro. Este complexo Freud o divide em duas partes: uma que pode ser reconhecida como significante e outra que se apresenta como estranha e mesmo hostil, na medida em que não se deixa apreender como transparência pelo sujeito. Seguindo esta articulação Lacan dirá, diferentemente de Freud, que a angústia não está relacionada ao desamparo inicial, mas sim ao amparo que o sujeito recebe, onde se faz enigmático algo que diz respeito ao desejo do Outro. A perda do objeto não está relacionada a uma ausência mas a uma presença portadora de um enigma: Che vuoi?
Se a demanda primitiva tem sempre alguma coisa de enganadora, que preserva o lugar do desejo, o que acontece na neurose? Na neurose o que ocorre é uma falsa demanda. O neurótico faz da demanda o seu objeto. A angústia surge quando se dá a está falsa demanda uma resposta obturante que não preserva esse vazio, causa do desejo, uma obturação que não tem nada a ver com o conteúdo da demanda, se positivo ou negativo: é aí que surge esta perturbação onde se manifesta a angústia.
Se a angústia surge no lugar da castração imaginária - -phi - e Freud vai dizer que na experiência do neurótico a angústia de castração se apresenta como intransponível, Lacan afirma que não é a castração em si mesma que constitui o impasse do neurótico. Aquilo diante do que ele recua, não é da castração, mas de fazer de sua castração o que falta ao Outro. É de fazer de sua castração algo de positivo que é a garantia desta função do Outro.
Mas a angústia não se refere, certamente, apenas ao neurótico, estando ligada à própria estrutura do sujeito. "O significante engendra um mundo, o mundo do sujeito que fala e cuja característica essencial é a de que é possível, aí, enganar. A angústia é esse corte mesmo, sem o qual a presença do significante, seu funcionamento, sua entrada, seu sulco no real é impensável. É este corte que se abre e que deixa aparecer o inesperado, a visita, a novidade - presentimento, pré-sentimento - antes do nascimento de um sentimento" (Lacan, op.cit). Nesse sentido, a verdadeira substância da angústia é aquilo que não engana - o sem dúvida..
Para Lacan, portanto, a angústia não é sem objeto, o que não significa dizer que ela tem um objeto. O objeto que se trata na angústia é esse objeto que é apenas um lugar, que tem um estatuto especial de causa do desejo: o objeto a.
Ao comentar a definição mínima de angústia que Freud apresenta em "Inibição, Sintoma e Angústia", como angústia sinal, Lacan opera uma torção ao dizer que ela é sinal não de perda do objeto, mas justamente da intervenção do objeto a. Ela é sinal de certos momentos da relação do sujeito com esse objeto e, por isso, é um sinal para o analista. Ele chega a dizer que é pelo viés da angústia que se pode falar do objeto, na medida em que ela é a sua única tradução subjetiva.
A angústia introduz à função da falta, no sentido de que ela é, para a psicanálise, radical. Ela é radical para a própria constituição da subjetividade tal qual ela aparece na experiência analítica. "A relação ao Outro se dá por esse ponto de onde surge o fato de que há significante, ponto esse que não poderia ser significado. O que eu chamo de ponto "falta de significante" (Lacan, op.cit). Não existe, portanto, falta no Real, na medida em que a falta só é apreensível por intermédio do simbólico. Nesse sentido a falta é simbólica.
Quando Freud fala de angústia sinal se produzindo no eu, ele se refere a um perigo interno. Lacan suprime a noção de perigo interno, pois o envelope do aparelho neurológico - em uma referência ao Projeto - não tem interior, não é mais do que uma superfície - superfície unilátera. O que se interpõe entre percepção e consciência, a outra cena, situa-se nesta dimensão do Outro enquanto lugar do significante.
A angústia é introduzida como manifestação específica nesse nível do desejo do Outro, onde ganha importância o sinal que se produz no eu, no lugar do eu, mas que diz respeito ao sujeito. O eu é o lugar do sinal, mas não é pelo eu que o sinal é dado. Se isto aparece no eu é porque o sujeito foi advertido de algo – e este algo é um desejo.
Já no Seminário 8 sobre A transferência Lacan afirmava que o sinal de angústia tem uma relação absolutamente necessária com o desejo. Sua função não se esgota na advertência, pois ao mesmo tempo que realiza esta função, o sinal mantém a relação com o desejo. A angústia é o modo radical sob o qual é mantida a relação com o desejo. "Quando, por razões de resistência, de defesa e de outros mecanismos de anulação do objeto, o objeto desaparece, permanece o que dele pode restar, a direção para o seu lugar, lugar de onde ele , a partir de então, se ausenta .... Quando atingimos este ponto, a angústia é o último modo, modo radical, sob o qual o sujeito continua a sustentar, mesmo que de uma maneira insustentável, a relação com o desejo.(Lacan,1992:353)
O desejo do Outro não reconhece o sujeito, nem o desconhece, ele o coloca em causa, o interroga na raiz mesmo do seu desejo como a, como causa de desejo e não como objeto. A única via para romper esse aprisionamento é engajar-se nele. Por isso Lacan diz que o desejo é o remédio contra a angústia. A dimensão temporal desse engajamento surge com a angústia e é isto que está em jogo na análise.
O sinal da angústia, assim, adverte sobre algo muito importante na clínica. É o ponto que mais pode indicar aos analistas o uso que podem fazer da angústia. A angústia não é absolutamente interna ao sujeito, mesmo porque o próprio do neurótico é ser um vaso comunicante. A angústia como energia o neurótico busca nos grandes Outros com os quais se defronta, entre eles o analista. Por isso é importante que o analista saiba a quantas anda o seu desejo para que não surja na análise a sua angústia, na medida em que ela pode se transportar para a economia do sujeito. A angústia do analista não pode entrar em jogo, a análise deve ser asséptica quanto a isso.
É a noção de real que permite a orientação na prática, uma vez que esse algo diante do qual surge a angústia é o real. A angústia é sinal do real, de algo da ordem do irredutível. Por isso a angústia, de todos os sinais, é aquele que não engana. Isto está ligado à própria constituição subjetiva, na medida em que é o real - e seu lugar - aquele em relação ao qual, com o suporte do sinal ( significante), da barra, pode-se inscrever a operação de divisão. No processo de subjetivação algo resta de irredutível nesta operação de advento do sujeito no lugar do grande Outro. Esse resto é o a. Enquanto queda da operação subjetiva pode-se reconhecer nele o objeto perdido: é disto que se trata, de um lado no desejo e, de outro, na angústia. O que Lacan procurou mostrar foi isso: "penso ter-lhes mostrado o jogo de esconder pelo qual angústia e objeto, um e outro, são levados a passar a primeiro plano, um às expensas do outro, mas também ter mostrado o lugar radical da angústia nesse objeto, à medida que ele cai. Esta é a sua função essencial, função decisiva de resto do sujeito, do sujeito como real" (Lacan, Sem X).
Finalizando, gostaria de destacar a articulação feita por Lacan em que a angústia aparece como uma função mediana entre o gozo e o desejo.
Pode-se pensar, por um lado, em um sujeito mítico que seria o sujeito do gozo e, por outro, a poderia ser visto como metáfora do gozo. Mas isto só seria correto se a fosse assimilável a um significante. E é justamente isto que não acontece, pois o a é o que resiste a significantização, o objeto perdido, fundamento do sujeito desejante, não mais o sujeito do gozo. O sujeito desejante, na sua busca do gozo, procura fazer entrar esse gozo no lugar do Outro, como significante. É por esta via que o sujeito se precipita, se antecipa como desejante. É no sentido de que ele aborda, aquém de sua realização, esta hiância do desejo ao gozo, que surge a angústia. Portanto, a angústia não está ausente na constituição do desejo, mesmo se este tempo é elidido. É sobre o tempo da angústia que o desejo se constitui., o que nos indica a importância da dimensão temporal da angústia na experiência analítica.