sábado, 16 de fevereiro de 2013

Manifesto da Intersecção Psicanalítica do Brasil sobre o DSM

 
 
O DSM-5 E O APAGAMENTO DO SUJEITO
A Psicanálise tem um grande desafio que é o de estabelecer um patamar de diálogo com as outras áreas, como a medicina, as neurociências, a psicologia, a filosofia, a literatura, a linguística, etc. Quando se trata de questões pertinentes à Saúde Mental, assim como Jacques Lacan não recuou diante da psicose o psicanalista não deve abdicar de expressar o seu posicionamento quando se anuncia o risco de apagamento do sujeito.
A quinta edição do DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), a ser implantada em 2013, seguindo a linha das versões anteriores, culmina num método diagnóstico que pretende estar assentado nas seguintes bases:
  1. num suposto cientificismo, facilmente contestável;
  2. na multiplicação de classificações diagnósticas, ao modo de “uma patologia para cada um”;
  3. na intenção de constituir-se num método preditivo de futuros transtornos mentais, justificando, sob essa ótica, a crescente medicalização, especialmente de crianças e adolescentes, sob o pretexto de que se trata de prevenir o desenvolvimento e consolidação da doença (ao modo de “mostra-me o que és e eu te direi o que serás, a não ser que ...”);
  4. no diagnóstico realizado com base na consulta a um catálogo de sintomas (check-list), segundo o critério de observação do seu aparecimento e frequência, sem que a singularidade do sujeito, a sua história e a sua condição de falante seja levada em consideração;
  5. no predomínio da etiologia de base orgânica e na rejeição das formações do inconsciente.
A evolução recente dos sistemas de pesquisa e a própria prática da psiquiatria parecem estar sob o domínio do método norte-americano, apesar de essa classificação diagnóstica desconsiderar o sujeito, não questionar os efeitos do desejo e ignorar completamente as manifestações de linguagem que a psicanálise desvela.
Nesse modelo, o DSM ambiciona cada vez mais apreender o sintoma em sua exterioridade, a partir de grades e critérios que subordinam o sujeito à bioquímica cerebral. A classificação diagnóstica, anunciada a partir do sintoma assim considerado, incide sobre o sujeito operando uma nomeação, a qual o representará a partir de então. Este efeito de classificação diagnóstica generalizada pode levar a consequências catastróficas para o sujeito.
Sob a alegação de que é necessário prevenir o desencadeamento de patologias graves e irreversíveis, o DSM-5 propõe a ação antecipatória de prescrição de drogas à criança e ao adolescente. A clínica da subjetividade considera que não é possível prever qual será o futuro de um determinado sintoma surgido em tempos anteriores à idade adulta. O sintoma pode vir a desenvolver-se ou não, a transfigurar-se, a retroceder, posto que a fala do sujeito e a sua história têm aí um papel preponderante.
As consequências do DSM-5, extremamente danosas para o sujeito e para a sociedade, somente poderão ser as seguintes: adoecimento generalizado; aumento crescente da medicalização; monopólio das ideias que orientarão o ensino, a pesquisa e a formação de novos profissionais de saúde, já que não mais fundamentadas na pluralidade de teorias e correntes da psicopatologia; descarte do diagnóstico clínico; emudecimento do sujeito.
Diante dos riscos que o DSM-5 anuncia, nós, de INTERSECÇÃO PSICANALÍTICA DO BRASIL, consideramos uma responsabilidade ética e política manifestar nosso posicionamento. Somos contrários à quinta edição do DSM no que esse método diagnóstico:
  1. Exclui de seus princípios de classificação a dimensão do inconsciente, a singularidade do desejo e a condição de falante de todo sujeito.
  2. Deixa de fora a clínica da subjetividade.
  3. Promove, consequentemente, o apagamento do sujeito.
Nosso posicionamento está fundamentado numa construção alicerçada em pressupostos científicos, nos princípios psicanalíticos e no exercício da clínica, que põem em relevo a particularidade de cada caso.Recusamos a intenção do DSM de se estabelecer como método classificatório único, ensejando, por sua vez, uma forma única de tratamento, que termina por promover a patologização da existência, prometer a ilusão da prevenção e requerer a padronização dos sujeitos.

Recife, maio de 2012.
INTERSECÇÃO PSICANALÍTICA DO BRASIL

http://www.interseccaopsicanalitica.com.br/

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