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quinta-feira, 30 de janeiro de 2014
Texto muito bom da Psicanalista Luiza Bradley Araújo
O MAIS GOZAR NA TOXICOMANIA
Luiza Bradley Araújo1
Gostaria de dizer que esse trabalho eu apresentei no I Congresso Nacional de
Psicanálise, realizado pela Universidade Federal do Ceará, em maio de 2001.
Foi o resultado do trabalho do DEA que fiz na França e continua como parte de
minha pesquisa do doutorado num contínuo caminhar.
Plus-de jouir, mais-de-gozar ou mais gozar?
Segundo o dicionário de Psicanálise Larousse, sob a direção T de Chemama,
plus-de-jouir é um neologismo criado por Lacan “para designar por homologia com a
mais-valia, a função estrutural à qual se reduziria geralmente o gozo e que constitui um
dos modos de apresentação do objeto Ta.”
Pensamos que por se tratar de um neologismo, em nossa língua portuguesa, seria
mais correto tratarmos por mais gozar, visto que não usamos esse “de”, por exemplo,
para falarmos da mais valia e que esse de não altera em nada o sentido na língua
portuguesa.
Lacan, no Seminário “De um Outro ao outro”, em 13 de novembro de1968, diz
que vai introduzir a propósito do objeto a, o lugar onde iremos situar sua função
essencial. “É no discurso sobre a função da renúncia ao gozo que se introduz o termo do
objeto a.”
Lacan chama atenção para o lugar no qual Marx situa o trabalho. Não que o
trabalho seja uma coisa nova, mas que haja um mercado de trabalho; que ele seja
comprado. É isso que vai permitir a elaboração da mais-valia. O trabalho não era
novidade na produção de mercadoria como, também, não era novidade a renúncia ao
gozo. O novo é haver um discurso que articule a renúncia e que faça aparecer a função
do mais gozar, porque é aí que se encontra a essência do discurso analítico. Essa função
aparece pelo fato do discurso ser um efeito dele mesmo, e vem demonstrar que é pela
renúncia ao gozo que ele surge. O discurso detém os meios de gozar enquanto que ele
implica o sujeito. É importante supor que no campo do Outro exista esse mercado.
Estranha forma de inaugurar o “mercado” do gozo no campo do discurso.
A produção do objeto a, se dá em torno do mais gozar.
Chemama, em seu texto “Um sujeito para o objeto” de 1997, no livro Goza:
capitalismo, globalização e psicanálise de Goldenberg, faz referência ao discurso do
Mestre e diz que a disjunção entre S/ e a, pode servir num segundo tempo de introdução
à questão da constituição do sujeito. O ser humano porque fala, não tem acesso direto a
seus objetos, encontra sua satisfação na própria cadeia significante através dos sonhos,
atos falhos, lapsos, etc.. Ele continua, dizendo que há uma segunda leitura essencial a
ser feita :” um sujeito, barrado pelo fato de que fala, vê-se representar por um
significante junto a outro significante, o que não acontece sem a queda de um objeto, o
objeto a”.
É a castração que organiza o discurso do mestre, tanto na realidade psíquica
quanto na realidade social. Lacan , fala sobre a produção da mais valia a partir do
discurso do mestre. Anos depois ele introduz o discurso do capitalista:
Discurso do Mestre Discurso do Capitalista
S1 S2 S/ S2
S/ a S1 a
No discurso do capitalista não há separação entre sujeito barrado e a. É como se
nesse discurso houvesse uma tentativa de evitar qualquer separação entre o sujeito e o
objeto.
Na toxicomania o objeto de gozo não é metaforizado, não é regido pelo
significante, por isso o toxicômano fica escravo da droga, em busca desse mais gozar,
um gozo sem interdito.
Charles Melman, em seu texto “Alcoolismo e toxicomania: uma abordagem
psicanalítica” de 1993, fala que nós vivemos em um tipo de economia que chamamos
“economia de mercado” e que a troca é susceptível de garantir a felicidade, a felicidade
de cada um. Ele lembra ainda que um dos objetivos da economia de mercado é tornar as
pessoas dependentes dos produtos consumidos. É um alerta para a questão do social. A
sociedade capitalista impulsiona o consumismo. Na esfera das relações interpessoais
como na da troca econômica o ideal consumista se prevalece da crença num objeto de
direito sempre disponível, com a condição de poder comprá-lo, num gozo Outro, sem
interdito. É o objeto do toxicômano, as drogas de toda espécie que nossa sociedade
multiplica e diversifica.
Nosso modo de gozar e principalmente o gozo sexual é marcado por uma
insatisfação permanente. Freud no texto “O mal estar na cultura”, de 1929, fala que os
seres humanos estão sempre em busca da felicidade. Sobre as drogas, diz que os
métodos mais interessantes para a prevenção do sofrimento são os que tendem a
influenciar nosso organismo. O método mais eficaz para exercer tal influência é o
método químico da intoxicação. A presença de substâncias estranhas ao corpo, no
sangue e nos tecidos, modifica as condições de vida e provoca as sensações de prazer
imediatas. Essas propriedades dos entorpecentes constituem precisamente seu perigo e
sua nocividade. É na toxicomania e no alcoolismo que podemos observar o gozo
ilimitado, sem barra, na busca de um objeto capaz de assegurar uma felicidade plena. A
droga afasta o gozo sexual, o que não acontece com o alcoolismo. Geralmente, o
toxicômano não se sente incomodado por não experimentar mais desejo ou impulso
sexual. Todos nós temos nossas dependências porém sempre estão no sentido de uma
proteção e conservação de nossa vida, é o que vai diferenciar da dependência tóxica,
química, que levam o alcóolico e o toxicômano a ultrapassarem esse limite.
Lacan diz que o discurso detém os meios de gozar enquanto implica o sujeito.
Marie-Christine Laznik, em seu texto “La mise en place du concept de
jouissance chez Lacan”, 1990, na Revue Française de Psychanalyse, fala que Freud
coloca o gozo em termos pulsionais. É a libido dessa pulsão insatisfeita que dará a
energia do supereu, quanto mais o sujeito renuncia a esse gozo mais terá a libido para
nutrir o seu supereu.
Fica uma questão: no caso da toxicomania será que essa libido da pulsão está
plena, satisfeita, daí não vai energizar o supereu?
Marie Christine Laznik continua dizendo que se o laço social se funda sobre a
renúncia a satisfazer a pulsão, é que esta implica o gozo de objetos que poderiam
pertencer a outros, ou seja os privar de seu gozo. Isso situa o gozo no campo do outro.
Eis o semelhante introduzido na questão do gozo, e com ele a questão da religião, dos
mandamentos, e, portanto, da lei. Ela continua dizendo que tudo isso já está em Freud, e
que ele se interrogou longamente sobre um mandamento da lei de Moisés, aquele que
ordena amar o próximo. Lacan segue o que está implícito em Freud e funda o gozo
sobre a lei.
Lacan chama atenção que se o gozo consiste em forçar a barreira do principio do
prazer, se uma transgressão é necessária para aceder ao gozo, é a letra mesma do
interdito que permite que este gozo encontre um caminho. Marie Christhine, cita, ainda,
a alusão que Lacan fez a uma passagem de São Paulo na Epístola aos Romanos que visa
mesmo esta articulação quando ele diz:” O que quer dizer ? Que a lei é o pecado(desejo)
? Certamente não ! Eu conheci o pecado ( desejo) somente pela lei. E, de fato, eu teria
ignorado a cobiça se a lei não tivesse dito : tu não cobiçarás. Mas, aproveitando a
oportunidade, o pecado(desejo) por meio do( mandamento )princípio produziu em mim
toda espécie de cobiça : porque sem a lei o pecado (desejo) está morto". Lacan cita essa
passagem trocando simplesmente pecado por desejo.
A droga e o ser humano
Michel Tibon-Cornillot, em seu artigo "L’état toxique" na revista "Le trimestre
Luiza Bradley Araújo1
Gostaria de dizer que esse trabalho eu apresentei no I Congresso Nacional de
Psicanálise, realizado pela Universidade Federal do Ceará, em maio de 2001.
Foi o resultado do trabalho do DEA que fiz na França e continua como parte de
minha pesquisa do doutorado num contínuo caminhar.
Plus-de jouir, mais-de-gozar ou mais gozar?
Segundo o dicionário de Psicanálise Larousse, sob a direção T de Chemama,
plus-de-jouir é um neologismo criado por Lacan “para designar por homologia com a
mais-valia, a função estrutural à qual se reduziria geralmente o gozo e que constitui um
dos modos de apresentação do objeto Ta.”
Pensamos que por se tratar de um neologismo, em nossa língua portuguesa, seria
mais correto tratarmos por mais gozar, visto que não usamos esse “de”, por exemplo,
para falarmos da mais valia e que esse de não altera em nada o sentido na língua
portuguesa.
Lacan, no Seminário “De um Outro ao outro”, em 13 de novembro de1968, diz
que vai introduzir a propósito do objeto a, o lugar onde iremos situar sua função
essencial. “É no discurso sobre a função da renúncia ao gozo que se introduz o termo do
objeto a.”
Lacan chama atenção para o lugar no qual Marx situa o trabalho. Não que o
trabalho seja uma coisa nova, mas que haja um mercado de trabalho; que ele seja
comprado. É isso que vai permitir a elaboração da mais-valia. O trabalho não era
novidade na produção de mercadoria como, também, não era novidade a renúncia ao
gozo. O novo é haver um discurso que articule a renúncia e que faça aparecer a função
do mais gozar, porque é aí que se encontra a essência do discurso analítico. Essa função
aparece pelo fato do discurso ser um efeito dele mesmo, e vem demonstrar que é pela
renúncia ao gozo que ele surge. O discurso detém os meios de gozar enquanto que ele
implica o sujeito. É importante supor que no campo do Outro exista esse mercado.
Estranha forma de inaugurar o “mercado” do gozo no campo do discurso.
A produção do objeto a, se dá em torno do mais gozar.
Chemama, em seu texto “Um sujeito para o objeto” de 1997, no livro Goza:
capitalismo, globalização e psicanálise de Goldenberg, faz referência ao discurso do
Mestre e diz que a disjunção entre S/ e a, pode servir num segundo tempo de introdução
à questão da constituição do sujeito. O ser humano porque fala, não tem acesso direto a
seus objetos, encontra sua satisfação na própria cadeia significante através dos sonhos,
atos falhos, lapsos, etc.. Ele continua, dizendo que há uma segunda leitura essencial a
ser feita :” um sujeito, barrado pelo fato de que fala, vê-se representar por um
significante junto a outro significante, o que não acontece sem a queda de um objeto, o
objeto a”.
É a castração que organiza o discurso do mestre, tanto na realidade psíquica
quanto na realidade social. Lacan , fala sobre a produção da mais valia a partir do
discurso do mestre. Anos depois ele introduz o discurso do capitalista:
Discurso do Mestre Discurso do Capitalista
S1 S2 S/ S2
S/ a S1 a
No discurso do capitalista não há separação entre sujeito barrado e a. É como se
nesse discurso houvesse uma tentativa de evitar qualquer separação entre o sujeito e o
objeto.
Na toxicomania o objeto de gozo não é metaforizado, não é regido pelo
significante, por isso o toxicômano fica escravo da droga, em busca desse mais gozar,
um gozo sem interdito.
Charles Melman, em seu texto “Alcoolismo e toxicomania: uma abordagem
psicanalítica” de 1993, fala que nós vivemos em um tipo de economia que chamamos
“economia de mercado” e que a troca é susceptível de garantir a felicidade, a felicidade
de cada um. Ele lembra ainda que um dos objetivos da economia de mercado é tornar as
pessoas dependentes dos produtos consumidos. É um alerta para a questão do social. A
sociedade capitalista impulsiona o consumismo. Na esfera das relações interpessoais
como na da troca econômica o ideal consumista se prevalece da crença num objeto de
direito sempre disponível, com a condição de poder comprá-lo, num gozo Outro, sem
interdito. É o objeto do toxicômano, as drogas de toda espécie que nossa sociedade
multiplica e diversifica.
Nosso modo de gozar e principalmente o gozo sexual é marcado por uma
insatisfação permanente. Freud no texto “O mal estar na cultura”, de 1929, fala que os
seres humanos estão sempre em busca da felicidade. Sobre as drogas, diz que os
métodos mais interessantes para a prevenção do sofrimento são os que tendem a
influenciar nosso organismo. O método mais eficaz para exercer tal influência é o
método químico da intoxicação. A presença de substâncias estranhas ao corpo, no
sangue e nos tecidos, modifica as condições de vida e provoca as sensações de prazer
imediatas. Essas propriedades dos entorpecentes constituem precisamente seu perigo e
sua nocividade. É na toxicomania e no alcoolismo que podemos observar o gozo
ilimitado, sem barra, na busca de um objeto capaz de assegurar uma felicidade plena. A
droga afasta o gozo sexual, o que não acontece com o alcoolismo. Geralmente, o
toxicômano não se sente incomodado por não experimentar mais desejo ou impulso
sexual. Todos nós temos nossas dependências porém sempre estão no sentido de uma
proteção e conservação de nossa vida, é o que vai diferenciar da dependência tóxica,
química, que levam o alcóolico e o toxicômano a ultrapassarem esse limite.
Lacan diz que o discurso detém os meios de gozar enquanto implica o sujeito.
Marie-Christine Laznik, em seu texto “La mise en place du concept de
jouissance chez Lacan”, 1990, na Revue Française de Psychanalyse, fala que Freud
coloca o gozo em termos pulsionais. É a libido dessa pulsão insatisfeita que dará a
energia do supereu, quanto mais o sujeito renuncia a esse gozo mais terá a libido para
nutrir o seu supereu.
Fica uma questão: no caso da toxicomania será que essa libido da pulsão está
plena, satisfeita, daí não vai energizar o supereu?
Marie Christine Laznik continua dizendo que se o laço social se funda sobre a
renúncia a satisfazer a pulsão, é que esta implica o gozo de objetos que poderiam
pertencer a outros, ou seja os privar de seu gozo. Isso situa o gozo no campo do outro.
Eis o semelhante introduzido na questão do gozo, e com ele a questão da religião, dos
mandamentos, e, portanto, da lei. Ela continua dizendo que tudo isso já está em Freud, e
que ele se interrogou longamente sobre um mandamento da lei de Moisés, aquele que
ordena amar o próximo. Lacan segue o que está implícito em Freud e funda o gozo
sobre a lei.
Lacan chama atenção que se o gozo consiste em forçar a barreira do principio do
prazer, se uma transgressão é necessária para aceder ao gozo, é a letra mesma do
interdito que permite que este gozo encontre um caminho. Marie Christhine, cita, ainda,
a alusão que Lacan fez a uma passagem de São Paulo na Epístola aos Romanos que visa
mesmo esta articulação quando ele diz:” O que quer dizer ? Que a lei é o pecado(desejo)
? Certamente não ! Eu conheci o pecado ( desejo) somente pela lei. E, de fato, eu teria
ignorado a cobiça se a lei não tivesse dito : tu não cobiçarás. Mas, aproveitando a
oportunidade, o pecado(desejo) por meio do( mandamento )princípio produziu em mim
toda espécie de cobiça : porque sem a lei o pecado (desejo) está morto". Lacan cita essa
passagem trocando simplesmente pecado por desejo.
A droga e o ser humano
Michel Tibon-Cornillot, em seu artigo "L’état toxique" na revista "Le trimestre
psicanalytyque" de 1997, fala da dificuldade de definir a droga e diz que tóxicos,
drogas, psicotrópicos e entorpecentes são termos que designam não apenas os produtos
e as práticas, mas veiculam, além disso, julgamentos de valor. A própria medicina na
busca de pesquisar medicamentos que curem as doenças está na origem da descoberta
das drogas.
A droga é um objeto fixado ao funcionamento para perverter e levar a desviar de
sua função inicial.
O conjunto dos antropólogos, etnobotânicos, neurofisiologistas, todos formados
na disciplina do espírito cientifico, ligam os rituais do xamanismo a um dos
movimentos mais fundamentais e mais antigos dos hominídeos no seio das sociedades
não industriais na sua busca de dar sentido à vida humana. Tibon-Cornillot fala ainda
que entre esses especialistas das religiões, das culturas ou dos vegetais psicotrópicos,
devemos deixar a palavra a Peter T. Furst, um dos maiores pesquisadores em
antropologia dos Índios contemporâneos do México quando afirma que há milenários as
plantas psicodélicas são a parte integrante da bagagem da humanidade; além disso, elas
tiveram um lugar de primeira importância na ideologia e na prática religiosa dos povos
em toda a superfície do planeta e ainda hoje ocupam um lugar em certas culturas
tradicionais.
O xamanismo, que deu origem ao nascimento de muitos cultos, entre os quais as
grandes religiões mundiais, provém do coração do paleolítico. A prática do xamanismo
remonta há mais ou menos 100.000 anos.
Em 1884, Freud descobre na planta coca e em seu alcalóide, cocaína,
propriedades medicamentosas contra as mais diversas doenças. Ele mesmo faz uso da
cocaína e declara que ela aumentou sua capacidade de energia e de resistência.
Escreveu um trabalho sobre a droga em julho de 1884 e a forma poética que deu
a seu texto despertou a curiosidade científica da época. Ele utilizou sempre os mesmos
termos em seus trabalhos: estimulante, euforia normal, capacidade de trabalho
aumentada, etc.
Nessa ocasião, Freud foi reconhecido como pesquisador ficando seu nome
ligado à cocaína.
Jean Paul Descombey em seu texto “ “Tâche aveugle et tentation chimique de
Freud” na revista “Le trimestre psychanalytique” de 1997, diz que Freud fez ao mesmo
tempo papel de juiz e parte, visto que suas publicações foram baseadas em suas auto
observações e ele tratou sua “neurastenia” como ele se auto diagnosticava, pela cocaína.
Os fracassos foram sempre atribuídos à má qualidade do produto, da mesma forma que
falam os toxicômanos. Ele negava a dependência que a cocaína provoca.
Convencido, ele tentou influenciar Martha a fazer uso da cocaína alegando que
iria lhe dar uma boa aparência. O mesmo acontece em relação aos amigos e colegas.
Von Fleischl, por exemplo, que era admirado e invejado por Freud, recebe a indicação
do mesmo para o uso da cocaína a fim de curar a sua morfinomania e o resultado é
desastroso: morre com sofrimentos atrozes. Freud comete muitos erros e lapsos, dom
por dose, esquece na sua lista de trabalhos o texto onde ele elogia as injeções e coloca
nessa data seu texto inicial de 1884. Todos os erros quando lhe são assinalados,
provocam sua irritação e ele não os corrige nas reedições da “Interpretação dos sonhos.”
Sem criticar a cocaína, ele a recomenda a Fliess que a utiliza contra suas dores,
as aplica sobre as mucosas nasais depois da cauterização desastrosa dos cornetos de
Freud, e trata assim suas neuroses nasais reflexas. Juntos, eles curam com cocaína suas
dores de cabeças respectivas.
O dom da cocaína dado a Fleiss, resulta na expulsão do maternal em sua auto
análise.
Em 1886 a cocaína se apresenta como o terceiro flagelo da humanidade. Nessa
época o uso da coca nos E.U. era corrente e incontrolável até sua interdição em 1906.
O humor e a toxicomania
O bom humor, de origem endógena ou tóxica, diminui as forças de inibição, a
crítica em particular, e torna por isso, de novo abordáveis as fontes de prazer, onde a
repressão fechava o acesso. É importante notar como a exaltação do humor nos torna
pouco exigentes em relação à qualidade de espírito. É que o humor completa o espírito
assim como o espírito deve se esforçar para completar o humor que oferece as
possibilidades de gozo habitualmente inibidas e entre estas o prazer do absurdo.
No texto « O Humor » de 1927, Freud diz que o humor tem algo de liberador e
possui também o triunfo do narcisismo, afirmando portanto a invulnerabilidade do ego.
O ego se recusa a sofrer por conta das provocações da realidade. Ao contrário, faz dos
traumas do mundo externo ocasiões para obter prazer. Essa propriedade constitui um
aspecto fundamental do humor. O humor é rebelde. Podemos observar que as duas
principais características do humor : demência da realidade, afirmação do princípio do
prazer, aproximam o humor dos processos regressivos ou reativos que tanto nos atraem
na psicopatologia.
Enquanto que meio de defesa contra a dor, ele se coloca na grande série dos
métodos que a vida psíquica do homem tem construído visando se desviar do
constrangimento da dor, série que se abre para a neurose e a loucura e abraça
igualmente a embriaguez, a auto-absorção, o êxtase. O humor deve a essa relação uma
dignidade que falta totalmente, por exemplo, aos chistes, porque esses têm
simplesmente por objetivo, obterem uma produção de prazer, ou essa produção, ser
colocada a serviço da agressão.
A mudança de humor é uma das maiores atrações que o ser humano encontra no
álcool e. por isso é tão difícil a maioria das pessoas renunciarem ao alcoolismo.
Alcoolismo e toxicomania
Qual a diferença entre o alcoolismo e a toxicomania? Segundo Charles Melman
em seu livro “Alcoolismo, delinquência, toxicomania”, de 1992, no alcoolismo o objeto
almejado nesse gozo infinito, é o falo, e isso podemos constatar na clínica tão falicizada
do alcoolista. No toxicômano a grande diferença é que não é o objeto fálico que está em
causa, justamente por isso eles nos parecem tão estranhos e não são bem aceitos pela
sociedade. O alcoolismo é bem tolerado socialmente, fica sempre no registro da
patologia, como alguém que não para diante do que faz limite, do que faz barreira. No
alcoolismo, o falo, é um objeto ao qual são atribuídas qualidades viris, a economia
psíquica nos é familiar.
A droga, objeto Real, introduz o Sujeito em um mundo virtual, fora do caráter
fundamentalmente decepcionante do simbólico. A toxicomania aparece como a pulsão
interativa à experiência da barra, a droga vem barrar o domínio do desejo do Outro.
Quando os toxicômanos estão bem drogados eles dizem que estão completamente
barrados.
Às vezes as drogas são utilizadas como objeto de adição. Segundo Joyce
MacDougall o termo adição vem para substituir toxicomania. A autora emprega o termo
de adição para os casos onde o objeto é percebido como bom e também como o que dá
sentido à vida. Será utilizado na ilusão de substituir as dificuldades da vida cotidiana.
Ela nos apresenta algumas hipóteses concernente a solução aditiva à dor mental,
argumentando por exemplo que a relação mãe-bêbe é decisiva para o modo de
organização do funcionamento psíquico. Uma mãe, seguindo seus próprios desejos
inconscientes, pode provocar em seu bêbe uma relação aditiva à sua presença e a seus
cuidados. A criança não é capaz de desenvolver seus próprios recursos psíquicos diante
das situações perigosas, ela está na impossibilidade de fazer face aos perigo e por isto
necessita da presença da mãe.
Freud, ainda no texto “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” de 1905, fala
da importância das primeiras relações mãe-bêbe e de como ela se origina dos
sentimentos dessa mãe com a sua própria sexualidade. É através dessa relação que ela
vai ensinar seu filho a amar, a ser uma pessoa forte e capaz de enfrentar as dificuldades.
O excesso de mimo na criança pode torná-la incapaz de lidar com a falta de amor ou
com uma pequena quantidade dele. O que se passa nessa relação que impossibilita essa
criança de crescer e enfrentar as dificuldades da vida?
Bergès e Balbo em seu livro "A criança e a Psicanálise", 1996,dizem que o falo é
nomeado “significante da falta no Outro” e que em uma apresentação topológica, o
lugar do Outro encontra-se furado e as bordas que delimitam e formam esse buraco, são
exatamente o lugar da circulação de objetos e de gozo, que fazem o suporte das trocas
significantes entre a mãe e o filho. É pelo objeto voz que se pode dizer que a mãe está
no lugar do Outro. A voz situa-se do lado dos objetos a e também como vetor, pela
palavra, dos significantes da mãe. A mãe não fala apenas em voz alta mas é por meio da
voz que ela usa o significante (supereu) que interdita o transbordamento do
funcionamento, opera como limite ao gozo. “Uma mãe que não se situa senão no dom e
não na troca,” não pode reduzir o transbordamento de seu filho visto que ela mesma está
fora da função fálica e por conseguinte fora de sua lei.
Na toxicomania o gozo está fora.
A toxicomania e o social
As toxicomanias são um sintoma do social? Podemos falar de sintoma social
enquanto dado que a toxicomania está inscrita, de certa forma sub-jacente, quer dizer
não explícita, em um discurso dominante de uma sociedade em uma determinada época,
onde prevalece o ideal consumista, como nos diz Melman?
Tratando-se de um sintoma, manifestação do inconsciente, é sem dúvida, porque
esse sintoma vem dizer uma verdade, verdade que nós conhecemos e tem origem no
mal-estar da cultura.
No discurso do mestre podemos observar que pelo fato do sujeito ser barrado
pela fala, ele vê-se representar por um significante junto a outro significante com a
queda do objeto a. Já no discurso do capitalista parece uma tentativa de Lacan dar conta
desse capitalismo contemporâneo. Ao contrário do discurso do mestre, não há barra
entre S/ e a, é como se evitasse qualquer separação entre o sujeito e o objeto.
Será que o uso de drogas está ligado à confrontação entre dois gozos, um gozo
confrontado à castração, fálico, limitado e outro gozo que Lacan descreve como gozo
feminino, que ultrapassa os limites, conduz ao delírio, à ilusão, à morte?
9
Lacan, em 1946, no texto "Propósitos sobre a causalidade psíquica", nos
Escritos, nos fala de como Freud foi brilhante tendo a intuição de notar a importância
psíquica dos primeiros jogos das crianças, esconde-esconde, etc. nesses jogos Freud cita
o exemplo do Fort-Da. Ninguém podia imaginar a importância de seu caráter interativo,
da repetição, em relação a toda separação do objeto amado, incluindo o desmame. Esse
processo vai estruturar todo o desenvolvimento psíquico, com a possibilidade de
renúncia. No final desse desenvolvimento nós encontramos a ligação do Eu (Moi)
primordial, essencialmente alienado, e o sacrifício primitivo essencialmente suicida,
quer dizer a estrutura fundamental da loucura. Essa discordância entre o Eu (Moi) e o
ser , será o que vai dar o tom fundamental ao longo das fases da história psíquica, onde
a função será a resolução do desenvolvimento. Toda resolução dessa discordância terá
um eco nas profundezas do imaginário da agressão suicida narcísica. Rapidamente essa
miragem que acontece, por exemplo, na intoxicação orgânica, pode representar o papel
de uma aparente liberdade.
Lacan, no Seminário de 13 de maio de 1959 sobre "O desejo e sua
interpretação", diz que a coisa freudiana é o desejo e que o desejo nós não podemos
considerar como normalizado, reduzido, ao contrário o desejo é agitado, atormentado.
Após a articulação analítica feita por Freud, o desejo se apresenta com as características
de Lust. Em alemão essa palavra conserva toda sua ambivalência de prazer e desejo.
Lacan fala também da questão do desejo no seminário de 3 de junho de 1959 e enfatiza
a insatisfação do desejo, que esse mal da cultura é exatamente o mal do desejo.
Conclusão
Podemos concluir que a toxicomania é um modo de vida onde o sujeito foge do
mundo, ele não suporta mais a irrupção de afetos opressivos e vai em busca desse mais
gozar, gozo pleno, sem limite e sem barra que o conduz à morte.
A toxicomania faz parte da tendência psíquica à pulsão de morte, o que está em
permanente representação nos jogos da criança, o sujeito passa a ser comandado pelo
objeto, ele não o domina mais. Freud foi muito sábio quando trouxe o For-Da e toda
importância dos jogos infantis na separação do objeto, isso vale para o desmame.
Ao nível da subjetividade, ela vai depender do caráter efetivo das operações
incluídas na castração e ao nível do social, ele passa a reencontrar no real o objeto
perdido do gozo.
Trata-se de um sintoma do desejo que vai refletir no sintoma do social.
Talvez fosse interessante retomarmos um dito de Marx “ a produção não cria
somente um objeto para o sujeito mas um sujeito para o objeto.”
Será que tudo isso nos leva a repensar por que a toxicomania ficou ausente
durante anos da clínica psicanalítica?
1 Psicanalista, Membro de Intersecção Psicanalítica do Brasil/PE. E-mail: lparaujo@elogica.com.br.
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